Celeiro de Bambas - 15
Alvaiade
"O dia se renova todo dia E eu envelhe�o cada dia e cada m�s O mundo passa por mim todos os dias Enquanto eu passo pelo mundo uma vez" |
Esses versos retratam toda
a for�a da poesia popular. A beleza na simplicidade das palavras, que filosofam
sobre a natureza e a exist�ncia humana. Esse � o artista popular. N�o precisa
fazer cita��es complexas, muito menos utilizar vocabul�rio rebuscado, basta
apenas saber expor seus sentimentos.
Oswaldo Silva, mais conhecido como Alvaiade, era assim. Seu talento n�o
foi aprendido nas cadeiras de uma faculdade; era natural. Suas composi��es
expressam toda a riqueza da sabedoria do povo. Sabedoria que, a despeito do que
pensam muitos intelectuais, tamb�m interpreta o mundo que est� em sua volta. O
que podemos contestar desses versos acima citados?
Alvaiade foi um dos principais compositores da hist�ria da Portela, mas
sua contribui��o para a escola n�o se limitou � cria��o de versos e melodias.
Alvaiade foi uma grande lideran�a. Um l�der que, mesmo ainda jovem, gozava da
total confian�a de Paulo, seu substituto natural ap�s o afastamento do mestre.
Fincou suas ra�zes na Portela logo ap�s sua funda��o, atravessando os
anos como um de seus principais s�mbolos. Seus �ltimos dias foram como
integrante do conjunto da velha guarda show, de onde s� saiu para fazer parte da
galeria dos grandes sambistas imortais, onde Alvaiade viver� para toda
eternidade.
O filho de Oswaldo Cruz
Alvaiade nasceu no dia 21 de dezembro de 1913, na Estrada do Portela,
em Oswaldo Cruz. Se muitos dos primeiros portelenses vieram das regi�es urbanas
do Centro da cidade ou das zonas rurais do interior do sudeste, Alvaiade j�
nasceu no sub�rbio. Integrava o "bloco da rua B", em companhia de Alvarenga e
outros, e em 1928 ingressou na Portela, quando os sambistas da atual Rua Ernesto
Lob�o se solidarizaram com o ent�o "Conjunto de Oswaldo Cruz", unindo for�as em
prol do sucesso da comunidade. No in�cio, o jovem Alvaiade apenas tocava
cavaquinho, somente depois seu telento de compositor se revelaria.
O respeito de Paulo
Alvaiade recebeu um convite pessoal de Paulo para ingressar no
"Conjunto". Quando o mestre n�o poderia estar presente, era o jovem Alvaiade,
com todo o seu esp�rito de lideran�a, quem respondia pela Portela em seus
primeiros anos. Sempre elegante e educado, Alvaiade tinha a postura que o
fundador principal da Portela reconhecia como ideal para o sambista, imagem que
Paulo cultivava em sua pr�pria personalidade. Por esse respeito que despertava
ainda jovem, Alvaiade desde cedo se tornaria uma esp�cie de porta-voz da
Portela. Um nome que se consolidou como sin�nimo de dignidade.
Substituindo o mestre
No epis�dio que culminou no afastamento de Paulo da escola, em 1941,
Alvaiade explica que as decis�es, muitas vezes tidas como unilaterais de Manuel
Bambamb�, o valent�o do grupo, foram tomadas de comum acordo entre todos os
membros da diretoria. Explica ainda que Paulo poderia desfilar com qualquer
roupa, mas Cartola e Heitor s� depois que a agremia��o passasse pela comiss�o
julgadora, para que n�o perdesse preciosos pontos que poderiam custar o
campeonato.
Alvaiade foi a voz que falou em nome da Portela quando, dias depois,
Paulo apareceu na quadra acompanhado do pessoal da Mangueira. Vendo que a briga
entre os portelenses e Paulo era inevit�vel, o jovem l�der, com a mesma
dignidade que aprendera com o mestre, procurou contornar a situa��o, mas sem
sucesso.
Paulo deixava a Portelinha cantando um samba da Mangueira, e Alvaiade
puxou outro em resposta ao mestre:
"Seja feliz com o seu novo amor
Porque eu vou procurar o meu bem-estar
Pode arranjar quem voc� quiser
S� pe�o pra de mim esquecer, mulher"
Alvaiade passava, ent�o, a ser o principal l�der portelense.
Tip�grafo e atleta
Em sua vida particular, Alvaiade exerceu a profiss�o de tip�grafo. O
samba, infelizmente, n�o era para nossos primeiros sambistas fonte de renda, era
antes de tudo um prazer, uma voca��o que os artistas deixavam transparecer nas
animadas rodas de amigos. Alvaiade tamb�m foi atleta, e foi no esporte que viu
surgir seu nome art�stico. Tinha no futebol uma de suas grandes paix�es,
ocupando a dif�cil posi��o de goleiro com a mesma dignidade que demonstrava �
frente do conjunto portelense.
Chefe de conjunto
Por quase 20 anos, Alvaiade foi chefe de conjunto da Portela. Era o
respons�vel pelos ensaios e pela dire��o de harmonia, pondo em pr�tica seus
conhecimentos sobre as fun��es de cada segmento da escola. Alvaiade foi o
principal respons�vel pela organiza��o da Portela em v�rios de seus compeonatos.
Era tamb�m o respons�vel pela recep��o das visitas e pelas idas da escola a
outras agremia��es.
Presidente da ala de compositores
Como presidente da ala de compositores da Portela, Alvaiade sempre
procurou zelar pelos interesses daqueles que s�o respons�veis pela reconhecida
qualidade dos sambas que a escola apresentava. Foi atrav�s dele que nomes
famosos como Manac�ia, Valter Rosa, Chico Santana e muitos outros foram
lan�ados.
Certa vez, Alvaiade determinou que cada compositor poderia escrever
apenas um samba de quadra. Um dia Chico Santana o procurou dizendo que havia um
segundo samba. Mesmo quebrando o protocolo, Alvaiade teve sensibilidade para
perceber a beleza da composi��o do amigo, que ficaria esquecida se suas ordens
fossem levadas ao p� da letra. Aberta a exce��o, surgia o samba que hoje �
considerado o hino oficial da Portela.
A lideren�a incontest�vel de Alvaiade esteve muito al�m dos limites de
Oswaldo Cruz e Madureira. O compositor portelense foi um dos fundadores da Uni�o
Brasileira dos Compositores, que nasceu para resguardar os direitos da
categoria.
Velha Guarda Show
Com a cria��o do conjunto da Velha Guarda Show, Alvaiade emprestaria
sua lideran�a espont�nea para ajudar na organiza��o do grupo. Muitos dos
primeiros sucessos do conjunto tiveram a assinatura de Alvaiade, como "O que
vier eu tra�o", Marinheiro de primeira viagem", "Banco de r�u" e "Embrulha que
eu carrego". At� hoje, sambas praticamente in�ditos do compositor aparecem nas
grava��es dos sambistas portelenses, que fazem quest�o de resgatar a mem�ria dos
amigos que j� se foram. Alvaiade, assim, na voz dos eternos companheiros,
continua fazendo sucesso.
Ra�zes da Dignidade
Alvaiade faleceu no dia 23 de junho de 1981. Era uma segunda-feira, mas
uma greve dos funcion�rios da Santa Casa, onde o portelense estava internado,
fez com que apenas na quinta os familiares fossem avisados.
No fim de sua vida morou em Marechal Hermes, mas nunca deixou de freq�entar a Portela e Oswaldo Cruz. Suas ra�zes estavam ali fincadas. Ra�zes de uma vida marcada pela dignidade e pelo esp�rito de lideran�a. Seja nas belas composi��es, como as de 1942, 43 e 47, anos em que a Portela sagrou-se vitoriosa na avenida, ou nos trabalhos de organiza��o da escola, como diretor de harmonia ou chefe de conjunto, Alvaiade foi, talvez, o principal respons�vel por muitos dos t�tulos da Portela, mesmo que nem sempre tenha recebido o devido reconhecimento.
Filho de Oswaldo Cruz, sua
hist�ria se confunde com a pr�pria hist�ria da Portela. Inspirado nos
ensinamentos de Paulo, exerceu sua lideran�a por onde passou, contribuindo para
o sucesso de nossa escola e do carnaval carioca.
"O mundo � assim"
O mundo � realmente assim, n�o podemos negar.
"A natureza � perfeita, n�o h� quem possa duvidar
A noite � o dia que dorme, e o dia � a noite ao despertar"
� no acordar e no despertar da noite e do dia que seguimos nossas
vidas. Passamos pelo mundo apenas uma vez, enquanto o mundo passa por n�s todos
os dias. Assim, envelhecemos a cada dia, a cada m�s. Alvaiade passou pelo mundo
apenas uma vez, � verdade, mas de forma t�o intensa que ainda hoje sentimos sua
presen�a passando pelo mundo todos os dias.
Na sucess�o dos dias e das noites, vemos novas crian�as nascendo. S�o
essas crian�as que um dia nos suceder�o quando nossa �nica passagem pelo mundo
chegar ao fim. O "mundo � assim".
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Proibida a reprodu��o total ou parcial sem os devidos cr�ditos ou autoriza��o do autor
Equipe Portela Web - 2003
Pesquisa e cria��o de texto: F�bio Pav�o
Revis�o ortogr�fica: Fabr�cio Soares
Bibliografia:
CABRAL, S�rgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Ed. Lumiar, 1996.
VARGENS, jo�o Baptista M & MONTE, Carlos. A Velha-Guarda da Portela, Rio de Janeiro, Manati,2001.