Celeiro de Bambas - 16
João Nogueira
"João de todos os sambas", "espelho" da "boca do povo".
"Vida boêmia" que fez "o grito do
subúrbio com o som da Lapa" ser ouvido "pelas terras do pau-brasil", como
numa "parceria" com "Wilson, Geraldo e Noel". |
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A boemia do Méier
João Baptista Nogueira Júnior nasceu em 12 de novembro de 1941, no
subúrbio do Méier, na cidade do Rio de Janeiro. Seus primeiros acordes no
violão puderam ser ouvidos aos 10 anos, por incentivo do pai, o músico João
Baptista Nogueira, e aos 15 começaram a surgir as primeiras composições, em
parceria com a irmã compositora Gisa Nogueira.
Ainda no Méier, o jovem João conheceu o carnaval. Aos 16 anos passou a
freqüentar o bloco Labareda, que saía às ruas nos dias de folia momesca. Alguns
anos mais tarde, João se tornaria diretor da agremiação carnavalesca.
Compondo nos bares da
vida |
Aos 38 anos, deixou o Méier
para viver na Zona Sul, mas logo optou por um lugar mais tranqüilo, o Recreio
dos Bandeirantes, na Zona Oeste da cidade.
Do Labareda para o mundo
João começou sua vitoriosa trajetória fazendo sucesso junto aos amigos do
Méier. Os companheiros do Labareda viram o despertar de sua carreira artística,
prevendo o sucesso daquele jovem sambista boêmio. Foi Aírton Silva, integrante
do bloco, filho do saxofonista Moacir Silva, então diretor da gravadora
Copacabana, que viabilizou sua primeira gravação, em 1968.
A música gravada chamava-se “Espera, ó nega” e contou com a participação
de um conjunto de samba que, mais tarde, passou a se chamar "Nosso Samba".
"Corrente de aço" |
A discografia
A partir daí, sua voz passou a ser ouvida em cada canto do país,
difundindo a inconfundível boemia carioca pelo Brasil. Seus LPs, um após outro,
transformaram-se em sinônimos de sucesso:
1972 - O grito do subúrbio com som da Lapa
1974 - E lá vou eu
1975 - Vem que tem
1977 - Espelho
1978 - Vida boêmia
1979 - Clube do Samba
1980 - Boca do povo
1981 - Wilson, Geraldo e Noel
1982 - O homem dos quarenta
1983 - Bem transado
1984 - Pelas terras do Pau-Brasil
1985 - De amor é bom
1986 - João Nogueira
1988 - João
1992 - Além do espelho
1994 - Parceria
1995 - Letra e música "Chico Buarque"
1998 - João de todos os sambas
O último registro de João Nogueira data de 1999 e se chama "Esquina
Carioca - Uma Noite com a Raiz do Samba", um show gravado ao vivo no Tom Brasil,
em São Paulo. João dividiu o palco com outros importantes sambistas cariocas,
como Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, Walter Alfaiate, Moacyr Luz e Luiz Carlos
da Vila.
O João da Portela Anos mais tarde, João voltaria para a Portela. Não participava ativamente do cotidiano da escola, o sucesso profissional significou uma série de compromissos e obrigações, mas era figura certa nos desfiles, seja pedindo passagem na frente da Águia ou elegantemente vestido junto à Velha Guarda. |
Clube do samba
Da passagem pelo Labareda, João preservou não apenas as amizades, mas
também a paixão pelo carnaval. Em 1980, João funda o "Clube do Samba", com a
proposta de ser um símbolo de resistência na luta pela revitalização do carnaval
de rua.
Na história do "Clube" estão marcados desfiles que devolveram para a
cidade um pouco da irreverência que sempre marcou a cultura carioca. "Meu mundo
caiu - A história do Palace II", por exemplo, fazia uma crítica a Sérgio Naya da
maneira que só a alegria carioca sabe fazer, transformando dor e revolta em
samba, para ser cantado com sorriso no rosto.
Em seus últimos anos, brigava para que o "Clube" tivesse uma sede
própria. Em 1998, internado após seu primeiro derrame, deixou uma carta em que
diza: "Não morrerei antes de ver este sonho realizado".
João Rubro-Negro
O futebol era um das grandes paixões de João Nogueira. Apaixonado pelo
Flamengo, o sangue que fluía em suas veias era rubro-negro. Emocionado com as
grandes glórias do time da Gávea, João não apenas torcia, também cantava sua
paixão pelo clube. Em sua homenagem, regravou o "Samba rubro-negro", de autoria
de Wilson Batista.
A boemia fica mais triste.
No dia 5 de junho de 2000, João falecia em
sua casa, no Recreio dos Bandeirantes, vítima de um enfarte fulminante. Em
companhia de seu filho Diogo, João assistia a TV num domingo à tarde. Estava se
recuperando de dois derrames cerebrais que tinha sofrido.
João se preparava para fazer um grande show com o conjunto de sua obra,
mas infelizmente quis o destino que o sambista nos deixasse pouco antes da
estréia. O projeto, contudo, foi levado adiante, e o show se transformou num
grande tributo a João, que contou com a participação de Zeca Pagodinho, Beth
Carvalho, Emílio Santiago e outros amigos consagrados.
A mesa vazia.
O garçom passa apressado. Equilibra em sua bandeja o chope, a cerveja
e o petisco, vai e volta num movimento frenético, uma habilidade circense
adquirida na escola do dia-a-dia.
O bar é seu ambiente. Testemunha da boemia, ouve o violão, o cavaquinho, o tantã
e o reco-reco. Presencia a criação de pequenas rimas que são rapidamente
anotadas em guardanapos ou papéis de pão. Com a autoridade de sua experiência,
sabe que aquelas palavras podem ser esquecidas pelo próprio autor ou se tornar o
próximo sucesso nacional.
Os panos das mesas estão cada vez mais sujos. Sabe que terá que limpá-los
mais tarde, um de cada vez. A hora avançada não alivia seu trabalho; pelo
contrário, o garçom sabe que, quanto mais tarde, mais trabalho terá, pois é nas
madrugadas que a criatividade dos artistas populares aflora. Ser garçom é, de
certa forma, também ser um pouco antropólogo. É conhecer os meandros do
universo cultural da boemia.
Hoje o garçom passa de um lado para outro. Como sempre, o local parece
estar animado, festivo, com muita alegria e descontração. Entretanto, no canto
do bar, uma mesa vazia denuncia que está faltando alguma coisa, está faltando
alguém. Os sons boêmios já não ecoam como antes, as vozes do subúrbio estão mais
roucas, as calçadas já não transpiram a mesma felicidade.
Para nós, tudo pode parecer igual, podemos não perceber diferença alguma,
mas a sensibilidade de um garçom, especialista na vida boêmia, sabe que hoje
está faltando alguma coisa. Falta João Nogueira.
Vai então, João, com toda sua dignidade, espalhar pelos bares e calçadas
da eternidade nossa voz embriagada pelas pequenas alegrias da vida, empoeirada
pelas dificuldades de nossa existência. Que os garçons celestiais sirvam sua
mesa com a paz eterna, afinal, se a mesa aqui está vazia, é porque em algum
lugar, além do horizonte visível ao nossos olhos mortais, uma outra mesa está
alegre e festiva.
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Proibida a reprodução total ou parcial sem os devidos créditos ou autorização do autor
Equipe Portela Web - 2003
Pesquisa e criação de texto: Fábio Pavão
Revisão ortográfica: Fabrício Soares
Referências Bibliográficas:
Site da MPB FM: www.mpbfm.ig.com.br
Site Samba e Choro: www.samba-choro.com.br
Site Memorial Online: www.memorialonline.com.br