A História da Região

  O Campo da Ajuda
  Fundada em 1565 no Morro Cara de Cão, diante do grande rochedo do Pão de Açúcar, a cidade de São Sabastião do Rio de Janeiro seria transferida por Mem de Sá, em 1567, para o alto do Morro do Castelo, erguendo em sua parte mais alta a Igreja do Santo Guerreiro, padroeiro do povoado que surgia. Para a tradição portuguesa, a igreja católica na parte mais alta diante do mar, podendo ser vislumbrada ao longe, era um símbolo de poder e domínio sobre a região. Com a igreja no alto do morro, os portugueses se estabeleciam definitivamente na Baía da Guanabara.

  Pela Ladeira da Misericórdia, a cidade, que crescia em cima do morro, ganhava a planície ainda no século XVI, enfrentando as dificuldades do terreno, em sua maior parte irregular e alagadiço. As ordens religiosas se estabeleciam na cidade. A ligação entre os morros do Castelo e São Bento seria a antiga Rua da Direita, hoje Primeiro de Março, considerada a primeira rua da cidade.

 

 

  Enquanto a cidade se expandia nas proximidades da atual Praça XV, o caminho do Porteiro era a principal ladeira do lado oposto do Morro do Castelo. Mais tarde, a ladeira ganharia o nome de Ladeira da Ajuda, graças a uma ermida de Nossa Senhora da Ajuda que foi construída no local, e depois se chamaria Ladeira do Seminário, nome que ostentou até sua demolição no século XX, graças ao antigo seminário episcopal de São José, surgido na várzea diante de sua desembocadura.

Na foto do final do século XIX, vemos a encosta do Morro do Castelo diante do Campo da Ajuda. Podemos ver a antiga Ladeira do Seminário

 

  Da Ajuda, porém, ficou conhecida não a ladeira, mas toda a região que a ela chegava, que se estendia no terreno delimitado entre o Morro do Castelo, o mar e a Lagoa do Boqueirão, exatamente onde séculos mais tarde as luzes da Cinelândia se acenderiam.

  O Convento da Ajuda e suas histórias
  Ainda no século XVII, sendo Prelado-Mor do Rio de Janeiro o reverendo Francisco da Silva Dias, a cidade ganharia seu primeiro convento para moças devotas. O local escolhido para a então pequena casa, construída mediante subscrição pública, foi o Campo da Ajuda. Durante sua construção, muitos opositores surgiriam, criticando, entre outras coisas, o paradoxo de enclausurar mulheres e proibi-las de procriar numa colônia que precisava expandir sua população.

  Apenas em 1750, o convento definitivo, após vencer seus opositores, pôde ser inaugurado. O Convento da Ajuda passaria, a partir de então, a ter sua  importância no Rio Colonial. Em 1795, o chafariz das Saracuras, obra de mestre Valentim, era inaugurado no seu pátio central. Quando as marretas do progresso demoliram o convento, em 1911, o chafariz foi preservado e transferido para a Praça General Osório, em Ipanema.

 

 

Na foto de 1910, o Convento da Ajuda diante da nova Praça Floriano

 

  As freiras do Convento da Ajuda pertenciam à ordem Imaculada Conceição, fundado na Espanha pela beata portuguesa Beatriz da Silva Menezes, em 1486. O prédio definitivo era um projeto do brigadeiro José Fernandes Alpoim, o mesmo que idealizou o paço da Praça XV.

O antigo convento em foto de Augusto Malta, pouco antes da demolição.

 

  Em 1816, o corpo de D. Maria I, rainha de Portugal, foi enterrado no interior do convento. Anos mais tarde, os restos da "soberana louca" seriam transferidos para Lisboa, sua terra natal. Para o Convento da Ajuda também seguiu o corpo da Imperatriz Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I, falecida em 1826.
 

  Colégio e Seminário São José 

  Diante do convento, ficava a Rua da Ajuda, homônima ao vasto campo, que fora criada como caminho para a primitiva  ermida existente no local, e que começava na Igreja de Nossa Senhora do Parto, na esquina das ruas São José e Ourives, e terminava nos muros do convento. Mais tarde fora estendida até o chamado Largo da Ajuda, que ficava à beira-mar. No lado oposto, o colégio São José, um seminário episcopal construído em 1739 na antiga chácara do Capitão João Caminha, que se estendia do início da encosta do Morro do Castelo, onde hoje está a Biblioteca Nacional, até um matadouro que existia próximo ao mar.   

 

 

 

 

Na foto acima, vemos a encosta do morro do Castelo sendo destruída para o surgimento da Avenida Central, hoje Rio Branco. No local, ficava o seminário São José.

  O fato de existir um seminário episcopal masculino ao lado de um convento para moças alimentaria por mais de um século a imaginação da população. Pensamentos pecaminosos que especulavam sobre  encontros amorosos entre os futuros padres e as freiras. Falavam sobre a existência de túneis subterrâneos secretos ligando as duas ordens religiosas.

 

  Tudo não passava de especulações vagas, muitos eram acusados de heresia, mas quando as marretas do progresso derrubaram as seculares construções, verificou-se que existiam três túneis subterrâneos ligando o convento às ordens religiosas próximas, inclusive ao seminário.

  Com a demolição do seminário de São José nos primeiros anos do século XX para a construção da grande avenida, os padres do seminário foram transferidos para o Colégio Diocesano, no Rio Comprido.

  A mãe do Bispo
  Algumas nomenclaturas se enraízam de tal forma na memória da população que conseguem sobreviver por anos no linguajar popular. No encontro das antigas ruas dos Barbonos (hoje Evaristo da Veiga) e Guarda-Velha (13 de Maio) residiu, entre os anos de 1731 e 1805, a mãe do Bispo José Joaquim Justino Mascarenhas Castelo Branco, D. Ana Teodoro Ramos de Mascarenhas.

  Figura extremamente respeitada no Rio do século XVIII, dona Ana Teodoro exercia muitas vezes a função de "juíza informal", decidindo pendências entre as pessoas que a procuravam. "Vai se queixar com a mãe do bispo" foi uma expressão que por mais de um século fez parte do linguajar popular do carioca. A "mãe do bispo", como era conhecida, era respeitada e temida, ajudava obras de caridade e muitas vezes exercia a função do filho.

 

 

  O local ficou conhecido como Largo da Mãe do Bispo. Fez parte da vida carioca por mais de um século, até que desaparecesse naturalmente com a remodelação da região, que apagou da paisagem alguns dos principais traços do Rio Antigo. Em seu local, a fábrica de chocolates Bhering por anos exalou um gostoso cheiro de cacau, e desde 1950 fica ali, por ironia, a  sede do tradicional Cordão do Bola Preta, num dos andares do imponente Edifício Municipal.

Na foto de 1903, o antigo Largo da Mãe do Bispo. Anos depois, a construção do Teatro Municipal mudaria drasticamente a paisagem.

 


 
  As primeiras intervenções urbanas
  Capital do Brasil Colônia desde 1763, a chegada da corte portuguesa em 1880, liderada pelo príncipe regente D. João VI, transformou a cidade do Rio de Janeiro em capital de todo o Império Português. Com status  de "nova Lisboa", era preciso reformar a cidade e torná-la um lugar digno do local de moradia de uma família real européia. A chegada da missão artística francesa em 1816, composta por renomados nomes como Grandjean de Montigny e Debret, trouxe para a cidade o primeiro olhar de embelezamento para o centro histórico, embora a principal atenção dos artistas franceses estivessem voltados para os eventos privados da corte.

  A partir de 1840, as seguidas epidemias que a cidade enfrentou trouxeram novos tipos de preocupação com o espaço urbano. Morros foram arrasados, as lagoas da região central, aterradas.

  Em 1870, o Marquês do Lavradio intensifica as transformações urbanas, melhorando a circulação na capital do Império. Foi o primeiro momento em que algo próximo ao conceito de modernidade foi pensado, embrião das grandes transformações por que a cidade passaria anos mais tarde.

  A grande reforma
  Proclamada a República, o Rio de Janeiro era o símbolo da nação. O centro da capital precisava representar a idéia de civilização que os teóricos da república vislumbravam. Era preciso, para isso, modernizar a região, que ainda mantinha seus aspectos coloniais praticamente intactos. Além disso, a cidade era tomada pela peste, e esses dois aspectos precisavam ser combatidos para a cidade poder personificar o lema positivista de "ordem e progresso".

  Coube a Oswaldo Cruz combater os males que infestavam a cidade. Para a modernização da região, o presidente Rodrigues Alves nomeou o experiente engenheiro Francisco Pereira Passos como prefeito da Capital.

  Com mais de 70 anos, Pereira Passos, fluminense de São João do Príncipe, no Vale do Paraíba, foi ridicularizado e enfrentou uma série de oposições aos seus projetos. Contudo, de suas pranchetas surgiram os traços que marcaram a Cidade Maravilhosa ao longo do século XX. Tendo estudado na França, onde acompanhou as transformações que Houssman promovera em Paris, o prefeito pensou não apenas a idéia de nação, mas também a viabilidade da cidade. Pensou a circulação urbana, que seria um dos grandes problemas do século que se iniciava. Alargou vias, projetou outras, traçou caminhos que até hoje os cariocas percorrem. Contudo, sua maior ação foi a Avenida Central,  Rio Branco a partir de 1912, que se tornou um símbolo da chamada bèlle-époque carioca.

 

 

 

Com muitas demolições, Pereira Passos mudou a cara da cidade. Esta foto é a Avenida Rio Branco, em 1904

  Avenida Rio Branco
  Em apenas três anos, Pereira Passos traçou uma reta a partir da Praça Mauá, região portuária que anos antes havia sido reformada. Cortando a região de mar a mar, a imponência da larga Avenida Central contrastava com as vielas do Rio Colonial que estavam em sua volta.

  Para se construir as margens da nova avenida, a prefeitura organizou um concurso de fachadas, de forma que a beleza arquitetônica fosse um dos traços marcantes da reforma. Enquanto a parte norte da avenida, próximo à Praça Mauá, estava voltada ao trabalho, na outra ponta, onde seria erguido um obelisco, Pereira Passos dedicou à cultura.

 
  A Avenida Rio Branco, então chamada Avenida Central.

 

  "O Rio civiliza-se", era o que se ouvia na época. Prédios importantes foram construídos. Edifícios que seriam símbolos de um novo tempo, de um novo país, marcos de uma nação republicana voltada para o progresso. Inspiração, como não poderia deixar de ser, na arquitetura francesa. Era o Brasil do século XX que saía das pranchetas dos arquitetos.

 Na foto de 1905, notamos a recém-aberta Avenida Central. Ao fundo, o Teatro Municipal sendo construído.

 

  Em 1906, era inaugurado o obelisco, construído com granito extraído do Morro da Viúva, que marcava a inauguração da Avenida Central. Sinalizava, também, o novo momento da cidade e da nação, assim como os prédios que aos poucos surgiam ao seu redor.

 

 

O mar batendo próximo ao obelisco.

 


 

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Equipe Portela Web - 2002

 

Pesquisa e criação de texto: Fábio Pavão

Revisão ortográfica: Fabrício Soares