Bateria em 2003

Reportagem de Marcelo Sudoh*

  A bateria da Portela teve um comportamento excelente este ano na avenida. Segundo o Mestre Catanha, foram pouquíssimos problemas, nenhum erro, mas muita emoção. Quem não gostou da pegada da "Tabajara do Samba" foi um dos quatro jurados do quesito, que deu nota 8.4 para a Portela. "Não acreditei", lamentou Catanha, que saiu do desfile satisfeito.

  Os diretores Arsênio - responsável pelas cuícas e chocalhos - e Márcio - responsável pelas caixas - também não entenderam a nota do jurado. Segundo Arsênio, não aconteceu nada que justificasse a nota. Para Márcio, a nota foi "estranha" porque o jurado "já sabia de tudo que nós íamos fazer na avenida". Arsênio tem 64 anos de idade e está desde 1965 na bateria da Portela. Márcio tem 32 e está desde 1984. Márcio saiu este ano da diretoria, mas Arsênio continua.
 

  Rasantes na avenida
  A bateria chegou à Marquês de Sapucaí com o couro dos surdos protegidos por plásticos. A medida tinha como objetivo proteger as marcações de uma possível chuva matinal. A Portela era a última escola a desfilar no domingo, já com a alvorada da segunda-feira nos céus.

 

 
   

Carlinhos Catanha e seus diretores

    Mas Mestre Catanha viu que o tempo estava se abrindo e mandou tirar todos os plásticos, o que foi feito imediatamente. O diretor Bombeiro - responsável pelos surdos - aproveitou para fazer a segunda afinação dos surdos. A primeira havia sido feita na quadra, antes do transporte dos instrumentos para a Marquês de Sapucaí.

 

  Feito isso, Catanha alinhou os ritmistas no primeiro recuo e emocionou as arquibancadas do Setor 1 com o tradicional "esquenta": "Portela na Avenida", samba de Paulo César Pinheiro, imortalizado por Clara Nunes. "Nessa hora eu chorei", conta Catanha. Afinal, era sua estréia como Mestre da Portela depois de 22 anos na escola. A choradeira se espalhou e contagiou grande parte dos ritmistas. Era a emoção embalando o coração portelense.

Ritmista em desfile

   


  Disparado o relógio e ainda no primeiro recuo, a escola soltou o samba-enredo 2003 "Portela Ontem, Hoje, Sempre Cinelândia - O Samba entra em cena na Broadway Brasileira", puxado por Gera e acompanhado por Wanderlei, Jorginho Poeta, Alexandre, Adilson e Anderson. No cavaquinho, Carlinhos do Cavaco e Mauro Diniz, Damião da Marcação no surdo e Paulinho no violão.

  Dentro da bateria estavam Márcio, Mestre Catanha Pai, Dinamite (tamborins), Nilo (repiques) e Osias (agogôs e chocalhos). Bombeiro (surdos) e Arsênio ficaram nas laterais auxiliando a estréia do novo mestre. No apoio, a bateria ainda tinha sete auxiliares responsáveis por baquetas, afinação, troca de instrumentos, entre outras atribuições.

  Ainda no primeiro recuo, o diretor Osias se ajoelhou em frente à bateria e agradeceu a Mestre Catanha pela oportunidade. A cena empolgou os ritimistas, elevando o moral portelense em pleno desfile. Uma emoção que se resume na paixão pela azul-e-branco de Osvaldo Cruz. Foram quase 5 minutos de "esquenta". Márcio conta a cena: "Osias estava muito emocionado e veio me abraçar. Fiquei preocupado porque ele esqueceu totalmente da bateria por causa da emoção". Arsênio lembra do momento rindo: "Ele deu uns rasantes no meio da gente".

 

 
   

Ritmista em desfile

A bateria ficou no primeiro recuo cerca de 20 minutos, tempo suficiente para estourar um surdo de terceira e uma cuíca. Isso não deu o mínimo trabalho para a equipe montada por Mestre Catanha. Os instrumentos foram substituídos como se nada tivesse acontecido. As peças de reposição estavam dentro do caminhão de som e havia muitas baquetas para qualquer imprevisto.

  Cuíca alta
  Aos 25 minutos aconteceu a primeira paradinha. Apesar de a Portela, tradicionalmente, desfilar "sem paradinha", Mestre Catanha cumpriu o que exigia o quesito: "Um dos critérios de julgamento do quesito diz que a bateria precisa ter criatividade e versatilidade. Concordando ou não, foi o que fizemos", disse.

  Logo depois, a bateria saiu do primeiro recuo e tomou a Marquês de Sapucaí. À frente dela, a Rainha da Bateria, Ediclea, e a Madrinha, Adriane Galisteu, muito assediada pelos fotógrafos e câmeras. "A imprensa atrapalha um pouco, mas faz parte", disse o Mestre, bem-humorado.

 

  Para Arsênio, o momento mais difícil do desfile aconteceu nessa hora. O técnico de som teria de colocar um microfone em cada um dos cinco instrumentos previamente indicados. No caso da Portela, um em cada marcação - Primeira, Segunda e Terceira - um numa cuíca e o último numa caixa. "Isso aconteceu - conta Arsênio - mas o som da cuíca estava tão alto que se sobressaía aos outros instrumentos". O problema foi rapidamente resolvido.

  Em frente ao Setor 3-B veio a primeira nota. E foi "Nota 10", dada pelo jurado Ivan Paulo.
 

Catanha, pai do mestre Carlinhos Catanha.

   

  Quase no meio da Sapucaí, aos 35 minutos, mais uma paradinha, a segunda da noite. Dessa vez em frente ao jurado Cláudio Luiz Matheus, no Setor 2-C. Na apuração, ficamos sabendo que a nota ali foi 9.8. Os 0.2 pontos perdidos ficaram por conta de uma embolação nos tamborins. Pelo menos foi isso que viu, ou melhor, ouviu o jurado.

  Perigo de atravessamento
  Aos 45 minutos de desfile, a bateria chegava ao segundo recuo e se aprontava para entrar nele. Mestre Catanha esperava o sinal da Direção de Harmonia que, minutos antes, estava atarefada com a repetina e passageira quebra de uma alegoria.

  Como sempre faz nos desfiles, a bateria da Portela passou um "pouquinho" pelo segundo recuo, os ritmistas deram uma meia-volta e entraram com a parte de trás da bateria, fazendo uma curva à direita. Foi um momento de muita concentração e a hora mais difícil do desfile para Mestre Catanha. Alguns ritmistas saíram do alinhamento e taparam a visão e o contato do mestre com os diretores. Catanha teve que sair do seu posto e chamar a atenção dos diretores que não estavam vendo-o sinalizar a entrada para o recuo.

  Arsênio lembra que a bateria mal acabara de fazer um pequeno retoque na afinação dos surdos e teve que enfrentar um outro problema. Mestre Catanha sentiu que o volume que saía das caixas de som do seu retorno estava muito alto. Imediatamente chamou o técnico do carro de som e resolveu o problema.

  "Dentro do segundo recuo faz muito eco", conta Márcio. Ele lembra que num certo momento esse eco passou a se misturar com o som da bateria. "O som da bateria ficou amontoado, confuso. A gente só ouvia som de lata. Senti que nós corríamos o perigo de atravessar. Pedi para as Terceiras fazerem uma batida simples até acertar tudo. Mas tinha um marcador bêbado e eu tive que tomar a maceta da mão dele. Podíamos ter atravessado", conta.

  A terceira paradinha, que exigia uma boa habilidade das caixas, veio aos 55 minutos e arrancou aplausos. Mas aconteceu o que ninguém esperava e que só ficaríamos sabendo na apuração. O jurado Téo Lima, também no Setor 2-C, achou que a bateria estava fora do compasso e deu 8.4 para Portela. Uma das notas mais baixas que a escola já recebeu em toda a sua história. "Não aconteceu nada, não ouvi nem vi nada", afirma Mestre Catanha. Para Márcio, o que o jurado ouviu foi o que os ritimistas chamam de "caída com 4", quando a bateria faz 4 marcações seguidas se preparando para sair da primeira parte do samba e entrar na segunda parte. "O jurado achou que a caída de 4 que nós fizemos foi fora do compasso", disse Márcio.

  Tudo isso durou cerca de 20 minutos. Segundo Mestre Catanha, foi mais ou menos esse o tempo que a bateria levou para entrar no segundo recuo, arrumar-se, fazer uma paradinha e sustentar o samba.

  Caindo no samba com Galisteu
  Faltando sete minutos para encerrar o desfile, a bateria deixou o segundo recuo, voltou à avenida e rumou para a Praça da Apoteose. Em frente ao Setor 11, o jurado Mário Jorge Bruno deu 9.9. Na justificativa, disse que havia problemas na afinação dos surdos. "Teve um marcador que cortou a mão e sangrou muito", lembra Mestre Catanha, desvinculando o acidente da nota.
 

 
   

Ritmistas fantasiados - apresentação da Portela na cidade de Angra dos Reis

  Na Apoteose, ainda sem saber as notas que a esperava, a bateria da Portela calou seus instrumentos, comemorando um desfile que - para seus 314 componentes - havia sido perfeito. A emoção foi tão grande que Mestre Catanha, recuperando-se da tensão, caiu no samba com Adriane Galisteu. Arsênio e Márcio saíram da avenida certos de que haviam feito um bom trabalho.

  A belíssima fantasia de Alexandre Louzada homenageando a banda do Bola Preta - leve e confortável - permitiu que os instrumentistas cumprissem seu papel na avenida sem desmaios por causa do calor e sem ferimentos.

  Hoje, Mestre Catanha lembra com orgulho o desfile: as dificuldades, as paradinhas, sua estréia como mestre e a última vez que teve ao lado seu pai desfilando.

  Mestre Catanha Pai, 43 anos de bateria da Portela, veio a falecer 6 meses depois do desfile, deixando seu posto para sempre.

  A Portela perdia um mestre e revelava outro. Coisas do samba. Coisas que só acontecem numa bateria como a de Osvaldo Cruz.

  Composição da Bateria da Portela em 2003:

  Surdos de Primeira: 13
  Surdos de Segunda: 13
  Surdos de Terceira: 26
  Caixas: 110
  Tamborins: 40
  Repiniques: 34
  Agogô: 24
  Cuíca: 24
  Chocalho: 30


*Marcelo Sudoh é jornalista e portelense