Sinopse original de 1970

 

“Na conquista de Portugal nada é mais extraordinário que a conquista do Amazonas”.

                                                      Joaquim Nabuco

 

  Àqueles que participaram da tare­fa grandiosa de ocupação da Amazônia – penetrando na selva fechada, cruzando rios e igarapés e rompendo os mistérios da selva equatorial – incorporando aquele espaço territorial à nossa pátria, nossa homenagem.

 

  Levando em conta a classificação de Mário de Andrade sobre as danças brasileiras, o desfile de escolas de samba pode ser considerado dança dramática, pois conta um enredo através do canto, existindo assim um campo de ação dramática – a rua e a platéia de espectadores perfeitamente delineados.

 

  A Paulo da Portela, pioneiro, em 1929, da introdução do primeiro enredo em escola de samba, a nossa admiração.

 

  Ao longe, o ritmo cadenciado e quente da bateria anuncia o início do maior espetáculo de folclore urbano do mundo – o desfile das escolas de samba.

 

  O Grêmio Recreativo Escola de Samba da Portela, participando deste espetáculo de arte popular, agradece e retribui os aplausos, apresentando seu enredo.

 

LENDAS E MISTÉRIOS DA AMAZÔNIA

 

  Fixou-se a Escola de Samba Portela neste enredo porque a Amazônia, considerada o grande norte brasileiro – engloba os Estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Ceará, Rio Branco e parte do Maranhão – é o grande manancial das lendas mais genuínas do Brasil, devido à pouca influência da cultura estrangeira.

 

  Diante da imensidão das matas virgens o índio justificava seu temor ao que lhe era misterioso e inexplicável através das lendas. Ainda hoje, quando o homem civilizado encontra as mesmas dificuldades de fixação ao solo e mantém práticas de cultivo iguais às empregadas pelos silvícolas da região em pleno século XVI, as lendas permanecem.

 

  A própria existência do Rio Amazonas, grande e misterioso, é explicada por uma lenda indígena. Há muitos anos a Lua era noiva do Sol, que com ela queria se casar, mas se isto acontecesse, destruir-se-ia o mundo. O amor ardente do Sol queimaria o mundo e a Lua inundaria toda a terra com suas lágrimas. Por isso, não puderam se casar, pois a Lua apagaria o fogo e o Sol evaporaria a água. O Sol e a Lua separaram-se. Então, a Lua chorou todo o dia e toda a noite e suas lágrimas correram por cima da terra até o mar. O mar embraveceu e as lágrimas da Lua não puderam misturar-se com as águas do mar, dando origem ao Rio Amazonas.

 

  Jaci, como chamavam a Lua, é também criadora da Vitória-Régia. Conta a lenda que havia uma grande alegria na tribo com o nascimento de uma indiazinha cuja pele, branca como a luz da lua, a diferenciava de todos. Mais tarde, sua pele tornou-se rosada como o peito de Jaçanã e com este nome foi ela batizada e consagrada pelo Pajé. Todos os dias, satisfeita de sua resplandecente beleza, ela mirava-se horas a fio nas águas do Amazonas. Certa manhã, foi surpreendida pela declaração de amor de um belo índio de uma tribo vizinha e apaixonou-se pelo guerreiro. Os grandes de sua tribo notaram os sintomas de amor nos olhos de Jaçanã e resolveram vigiá-la. Uma tarde, quando ela tentava fugir com seu bravo guerreiro, foi surpreendida e aprisionada. Condenada à morte pelo Pajé, quando se realizavam os preparativos para seu sacrifício, o jovem, sem medir conseqüências, tentou salvar sua amada. No entanto, seus passos foram detidos por uma certeira lança que atravessou seu coração sob os olhos angustiados de Jaçanã que, resignada, deixou-se levar por índios fortes e impetuosos. Comandados pelo Pajé, os guerreiros atiraram-na nas profundezas das águas do Amazonas. Jaci presenciava tudo do alto do céu e, penalizada com a sorte de Jaçanã, fez com que ela surgisse do fundo das águas, transformada numa bela flor – a Vitória-Régia.

 

  O amor também faz parte da lenda que concede ao Muiraquitã – pedrinhas verdes achadas no fundo do Amazonas – o poder de tornar feliz para sempre quem possuir uma. Achar as pedras é o sonho de muitos ainda hoje, sejam eles índios, caboclos da região ou mesmo os que vêm de fora. O poder da pedra deriva das lendárias noites de amor das Amazonas, chamadas de Icambiabas (mulheres sem marido) pelos antigos silvícolas.

 

  Poucas roupas, altas e sedutoras, as Amazonas eram guerreiras valentes que resolveram viver sem o auxílio dos homens, chegando até a subjugar algumas tribos, pois eram invencíveis manejando o arco e a flecha com extrema perícia.

 

  Uma vez por ano, em grandes festejos, os índios eram recebidos na intimidade. Só assim, haveria a propagação da raça. A tribo escolhida ufanava-se com tão grande honra e os igarapés, sobre os quais se entrelaçavam lianas e cipós, formando um toldo verde, serviam de caminho para as igaras dos escolhidos.

 

  Estes, assim que chegavam, eram recebidos com festas. Cada homem trazia na igara sua rede, logo retirada pela Amazona que o escolhera. Ao entardecer, sedentos, os índios galgavam a barreira pardacenta do rio à procura da rede, com os penachos ao vento e chocalhando os guizos que traziam no tornozelo. Ao anoitecer, iniciava-se o baile selvático. O cauim, servido em abundância, assim como o pó de paricá, que produzia sonhos paradisíacos, encarregavam-se de derreter o constrangedor receio. A festança continuava pela noite adentro. Pela manhã, cansados, eles voltavam às suas terras trazendo pendurado no peito o muiraquitã ofertado pelas Amazonas. As filhas desta união se­riam as continuadoras da raça, os filhos trucidavam-nos ao nascer.

 

  As crendices são muito comuns entre os nativos que ainda não se libertaram dos usos, costumes e tradições deixados por seus antepassados. No entanto, a lenda que mais variações sofre, conforme a região da Amazônia, é a do Saci-Pererê, também chamado de Kilaino e Curupira, que assume diversas características, sendo um dois mais espantosos e populares entes fantásticos das matas brasileiras. É o responsável por tudo o que parece misterioso aos homens da Amazônia. É malvado e bondoso ao mesmo tempo, senhor dos animais, protetor das árvores e muitas outras coisas, inclusive a explicação dos rumores misteriosos que originam as lendas em toda a Amazônia.

 

Figurinos – Ruggy

Enredo e fantasias – Clóvis Bornay

Cenografia – Yarema

 

Pesquisas

 

Eduardo Galvão – “Santos e Visagens”, Editora Nacional de São Paulo

 

Câmara Cascudo – “Dicionário do Folclore Brasileiro” “Lendas Brasileiras”, Edições de Bolso

 

Gastão Cruz – “Hiléia Amazônica”, Editora Nacional de São Paulo Spix e Martius – “Viagem pelo Brasil”, Editora Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

 

Mário de Andrade – “História da Música”

 

Edson Carneiro – “A Conquista da Amazônia”, Coleção Mauá Manoel Diegues Jr. – “Etnias e Culturas do Brasil”, Centro Bra­sileiro de Pesquisas Educacionais

 

Artur Cesar Ferreira Reis – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

 

Joaquim Nabuco – Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

 

Artur Ramos – “A Aculturação Negra no Brasil”, Editora Nacional de São Paulo

Dicionário Delta Larrousse