João Bosco: Paulinho, a Portela te pediu para fazer samba-enredo este ano?
Paulinho da Viola – Pediu, aí eu disse que não fazia. Eu preferi colaborar com um samba de quadra.
JB – E você cantou este samba na Portela?
PV – Cantei. Cantei diversas vezes. Isso é que eu tô falando. Mas quando eu te sugeri que falasse com Fernando Pamplona, porque ele é um cara que trouxe muita coisa positiva pro samba. Ele se defendeu de muitas acusações...
Candeia – Mas ele foi engolido pelo processo.
PV – Peraí, ele se defendeu...
C – O próprio monstro que ele ajudou a criar está engolindo ele.
PV – Ele foi pro rádio e falou e se defendeu. Pra ele a pergunta é muito simples: Ele desencadeou um processo de transformação das escolas que é assumido por ele. Ele chegou no Salgueiro e mudou tudo mesmo. Antigamente o samba era feito assim. Tinha as comissões de carnaval e coisa e tal. Vou te dar uma exemplo do que eu quero dizer. O Lan (cartunista ítalo-argentino e portelense Lanfranco, que completa, em 2005, 80 anos), o desenhista, assumiu uma posição em relação ao samba. Ele é portelense sabe desde quando? Desde 1951/2 mas nunca deu um risco para a Portela, nunca deu um traço para a Portela. Isso tem que ser dito. Ele cansou de ser convidado, ele podia ter feito carnaval para a Portela, desenhando figurinos, há anos atrás. Ele nunca fez isso.
C – Aliás, diga-se de passagem, foi traído naquela passagem do Ilu-Ayê (enredo de 1972, com o qual a Portela obteve o 3o. lugar), onde o carnaval tinha sido... eu tinha dado a idéia do carnaval, ele (Lan) desenvolveu e depois o Hiram entrou e assumiu e ficou como dono da idéia que era minha e dono do desenvolvimento que era do Lan.
Carlos Elias – E botou na Revista da Portela o Candeia como colaborador e...
C – E eu como colaborador, como pesquisador, quando a idéia era minha.
PV – Então, o Lan...
JB – Por que o Lan se recusou a fazer carnaval para a Portela?
PV – Pelo seguinte: ele dizia que “não vou fazer carnaval para Portela porque eu acho que vou interferir num processo que não me diz respeito”.
PV – Respeitando uma cultura própria. Então, eu acho que dentro da Portela a obrigação da Portela é procurar dentro da Portela os caras que podem fazer um traço melhor para a Portela, sabe? Que podem desenhar para a Portela, que vai encontrar. Eu, por exemplo, acho que o mais representativo em termos de, ou desenho ou traço, em termos plásticos, na Portela, hoje, em dia são aquelas carinhas pintadas pelo Paulo Pinduca.
C – Na sede velha, né?
PV – Não, na sede nova. Aquilo é a coisa mais representativa. Então, esse cara teve coragem de assumir isso. Ele disse: “Não, eu dou força, sou portelense, mas, eu não dou nem darei um traço para a Portela. Porque isso é uma coisa da escola. Tinha que se descobrir dentro da escola um elemento que fizesse isso. O Pamplona foi o cara que chegou dentro de uma escola de samba e simplesmente mudou tudo, assim, desenhou tudo, desde o princípio. Antes, eram os caras da escola que faziam tudo. Ele chegou e monopolizou tudo. Determinou tudo dentro da escola.
C – È bom que se diga que dentro desse processo houve muita coisa positiva.
PV – Peraí. Respeitando uma série de coisas, realçando, considerando aspectos da cultura do negro brasileiro, que não eram considerados dentro da escola de samba. Fazendo aquela coisa pro alto, sabe como é? Com uma visão bastante positiva. Eu acho. Agora, com esse processo, o Salgueiro começou a aparecer e foi a um nível tal, que ganhou com o Chica da Silva (enredo campeão em 1963).
Agora, o seguinte: que negócio é esse de escola de samba, de repente, chegar a um nível, isso precisa ser esclarecido, em que tudo é decidido por um único elemento, por um único carnavalesco, que faz tudo? Chega a um nível de loucura tal, de abstração tal, de delírio tal em que fica todo mundo assim, juntando um monte de dinheiro pra escola comprar a figurinista (aqui, referem-se a Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, ex-alunas - na Escola Nacional de Belas Artes - e ex-assistentes de Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona) tal que ganhou o carnaval passado, pra trazer o carnaval para a nossa escola este ano, vamos ver se a gente acha um cara que tenha dinheiro para comprar o fulano, vamos trazer esse cara pra cá, etc. Então, eu faço uma pergunta para o Pamplona: se você desencadeou este processo, de uma maneira que a gente já considerou que é positiva, você já defendeu, já explicou através disso e daquilo, que eu também já li, etc. Tudo isso ta perfeito. Isso é uma coisa pelo negro, foi uma coisa anunciada inclusive pelo Arthur Ramos, lá na Praça Onze, constatado por ele entendeu? Foi uma coisa assumida pelo negro. Foi aquela coisa que foi posta e nego não reagiu, nego pegou aquilo e viu aquilo como uma saída pra samba, permitindo toda uma série de infiltrações que não são de hoje e o Pamplona se agarrou a isso, justificou. Tudo bem. O que eu quero saber é o seguinte: que o Pamplona acha desse processo atual? Um dia eu encontrei ele na televisão e disse: “Escuta, você tá sabendo que nego tá cantando ‘Ó, jardineira, por que estás tão triste’ e não sei o quê? Não, isso não se trata de culpá-lo. Apenas eu quero saber qual é o pensamento dele em relação a isso, entendeu? Que atitude ele toma agora em relação a esse comprometimento todo? É importante.
Por exemplo: o Nélson de Andrade (ex-presidente dos Acadêmicos do Salgueiro no período 1956 a 1961 e responsável pela ida de Fernando Pamplona a escola tijucana , ex-presidente da Portela no período 1962/1966 e autor dos enredos portelenses “Rugendas: Viagens pitorescas pelo Brasi”l, 1o. lugar em 1962; “Segundo Casamento de D. Pedro I”, 1o. lugar em 1964; “Histórias do Rio Quatrocentão”, 3o. lugar, em 1965; “Memórias de um Sargento de Milícias”, 1o. lugar em 1966 e “Tal é o Dia do Batizado” – com Juvenal Portela e Laurênio - , 6o.lugar em 1967) anda dizendo e já cansou de dizer mesmo, que a história de escolas de samba é dividida em duas partes: antes e depois dele, Nélson. Então, é preciso saber, chegar perto do Pamplona e perguntar qual a posição dele.
C – Eu só queria acrescentar rapidamente ao que o Paulinho falou com relação ao Pamplona, sobre a maneira como eu vejo a participação dele dentro desse processo todo que ele ajudou a criar. É o seguinte: quando o Pamplona entrou na escola de samba e deu essa dimensão toda, essa nova visão em relação ao samba, não há dúvida também que houve um lado negativo, e o Paulinho citou aí. O fato de que os carnavalescos passaram a ser pagos a preço de ouro e, também, com esse processo, nós, ao invés de incentivarmos a arte popular, porque em vez de colocar o elemento nato, o artista primitivo, aquele elemento que tem condições de desenvolver o seu trabalho, tiramos dele a possibilidade imediata e total de ele trabalhar.
PV – Perfeitamente.
João Bosco – Sem discutir a intenção boa ou má do Pamplona, pode-se dizer que sua participação e inovação dentro da escola de samba foi o ponto de partida dessa corrida do ouro, certo?
PV – Não. A coisa não deve ser colocada nesse nível.
Ruy Fabiano – Ele estilizou uma manifestação espontânea dos caras com padrões trazidos de fora de quem tem uma formação diferente daquela.
C – Exatamente, perfeito. Quando ele transformou tudo, empregando talvez, na confecção das alegorias, materiais até então estranhos àquela cultura, àquele meio ambiente. Estilização, sofisticação.
PV – Mas até nesse plano estético, a gente...
C – É necessário que fique registrado que nós não somos contra a evolução, nem contra as posições de atualização em todos os sentidos. Porque tudo evoluiu mas tem de haver uma evolução equilibrada.
PV – E a gente pode ser até contrário a isso, mas já é uma outra discussão, não tem nada a ver. Eu, por exemplo, prefiro mil vezes um carnaval feito... bom, podem me chamar de folclorista, do que for, azar, eu assumo. Prefiro mil vezes um carnaval feito por um cara que tá vivo, mas que tem o vocabulário dele, que é X, tem a linguagem dele que é aquela e que, se você entregar o carnaval na mão dele, ele... “seu” João, por exemplo, você vai entregar o carnaval na mão dele e ele vai chegar e vai dizer: “Eu tenho um carnaval que são as datas que não sei de quê, patati patatá”. Ou se pegar um cara que vai fazer os bonecos... não importa. O que interessa é que seja um cara da escola, com a visão dele. O que me interessa é saber até que ponto isso vai contribuir para um carnaval. Mas, essa é minha visão particular que não entra nesse papo. O que eu quero saber é o seguinte: essa interferência política dentro da coisa, de o cara assumir uma atitude dentro da escola que é autoritária de dizer: “É isso que tá aqui e acabou”. Com toda a sinceridade do Pamplona que nunca recebeu dinheiro pra fazer o que fez. Isso tem de ser dito. Ele fez porque gostava da escola.
C – O trabalho dele no Salgueiro foi por amor.
PV – Por amor, e isso tem de ficar claro. Não é como nego tá fazendo, ganhando milhões pra fazer um carnaval, entregando a vida dele lá e vivendo daquilo.
C – Um absurdo!
PV – Então, o cara chega, vem não sei de onde e pega dinheiro pra fazer carnaval. Não, eu prefiro dar esse dinheiro, então, pro João das Couves fazer também. E que se disputa no nível de João das Couves, eu não quero disputar no nível de artistas do municipal.
RF – Dentro dos padrões de “bom gosto”...
PV – Eu discuto esses padrões de “bom gosto”, isso é discutível.
RF – Eu também.
PV – Isso não me interessa, isso pra mim é uma farsa, essa estética é uma farsa.
C – Isso tem de ser colocado muito bem para que nossa posição não seja confundida com a posição de anticultura, não é isso. O que nós estamos colocando é que o elemento que antes confeccionava umas alegorias tinha que ser considerado e até julgado de acordo com o grau de escolaridade que ele tinha, que não pode ser o mesmo do cara que faz escola de Belas Artes.
RF – Ai, a manifestação deles ali, a linguagem do samba é daquela comunidade ali, que tem um nível de escolaridade X, mas vivência diferente.
C – Perfeito, mas aí é que o conceito foi modificado. O cara que veio das Belas Artes, em vez de dar a esse elemento meios para ele desenvolver o seu trabalho, ele o sobrepujou, ele matou, tirou essa chance. É como no samba. Ninguém pode exigir que um Mijinha, o próprio Manacéa, ou os outros façam uma letra como a de não sei quem aí... vamos dizer... o Vinícius de Moraes, por exemplo. Tem que respeitar as posições e condições e vivências diferentes.
RF – São linguagens diferentes.
C – São linguagens diferentes. Não que não haja poesia na letra do Mijinha não, certo?
PV – Ah, sim, faça essa ressalva.
C – É preciso dizer isso sim. As pessoas é que às vezes formam discriminações, porque não sabem sair daquela redoma de intelectualidade.
RF – É questão de padrão, de valor.
C – É saber, então, encontrar arte, beleza, naquele elemento que faz aquela rima de amor com dor, mas que sabe dizer de coração. E as pessoas de uma hora pra outra transformaram tudo isso.
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No próximo bloco: Joãozinho Trinta; a influência de Maurício Mattos, Carlos Lemos e Mazinho.
5a. Parte
JB – Dentro desses padrões e tal, como é que vocês vêem a Beija-flor?
PV – Ih, rapaz...
C – Peraí. Tem fatos novos em relação à Beija-flor. Bem, antes de mais nada é necessário que se registre que Joãozinho Trinta é cria do Fernando Pamplona. Então, é conseqüência natural do trabalho de Fernando Pamplona, já é fruto do trabalho dele.
JB – Bem, mas, bem na frente daquilo que o Pamplona iniciou, né?
C – É, exato, já vem dentro do mesmo processo, mais agigantado.
PV – Uma pergunta cretina pra esses caras. Isso é o que eles chamam de socialização “do samba”? “Democratização” do samba? Todo mundo poder chegar e fazer o que quer, abrir, isso é que é chamado “abertura”? Em que o valor dos caras, a linguagem dos caras... o cara quando chega e diz: “Muito embora abandonado (canta exaltado) eu estou conformado com a minha dor, Deixa eu viver sozinho, eu vivo bem sem teus carinhos”. Em detrimento disso aí, vem um babaca desses e fala essas merdas que tão falando aí. Eu quero perguntar é isso aí: Isso que é a “democratização do samba”? Quer dizer, “abrir”, isso é que é “abrir” certos valores pra nego chegar e dizer que quer, entende? Esmagando essas coisas.
C – Esmagando esse tipo de obra.
PV – É isso que eu quero que eles me respondam. Se eles disserem: Não, é isso mesmo, evolução pra nós é isso, então, eu calo minha boca, porque eu não concordo com isso.
C – Então já tens a resposta, porque o Hiram considera o Jair Amorim e o Evaldo Gouveia os maiores poetas de escola de samba, ele disse isso. Um absurdo. To denunciando mesmo, é pro gravador registrar. Disse ainda que a letra da Portela deste ano é a melhor que a escola já teve em sua história.
PV – Ficou louco. Ficou completamente louco!
C – É dito por ele. Falou pra mim, não mandou recado não. Disse pra mim.
JB – Qual a posição do Hiram Araújo dentro da escola?
C – Olha, vou te dizer qual é. Vou abrir o jogo. É a denúncia...
PV – No dia em que eles fizerem um samba assim (canta exaltado): “Quero viver como um passarinho/cantar...”
C – Ô, rapaz, Paulinho já disse pra você que eles não têm condição pra fazer.
PV – No dia em que eles fizerem um samba desses...
C – Eles não têm um negócio chamado cultura própria de sambista.
PV – Vivência.
C – Exato, vivência de sambista, sofrimento, meio ambiente. Você sabe perfeitamente que a formação até harmônica de um samba-enredo sempre foi diferente da de rádio, de bloco...
PV – Eu quero que eles façam um verso com o sentido deste de Cartola, por exemplo: “À vezes dou gargalhada ao lembrar do passado”, ou, então, “semente de amor sei que sou desde nascença”, posso enumerar milhões deles aí.
C – O próprio Paulo da Portela já tinha umas letras consideradas bem avançadas pra época.
PV – Quero que eles digam isso.
C – Na Portela tinha um cara chamado “Fininho” que era um poeta assim, que até complicava as coisas com o vocabulário dele e até mesmo as mulheres da escola não conseguiam cantar os sambas que ele fazia. Mas, voltando ao assunto, eles não têm essa cultura própria de sambista, isso é verdade. Então, jamais o nome deles será citado. Até há bem pouco tempo havia diferença entre um samba de escola de samba e um samba de bloco, pra samba de rádio. Sabe por quê? Na sua estrutura, na sua formação de harmonia e melodia, nós tínhamos diferença, nós sabíamos... Hoje em dia, o negócio ficou assim, uma um espécie...
C – (cantando) ...uma voz que me chama/corre e vem ver/essa mulher que chora...
PV – Se for enumerar vai dar de vinte a zero.
C – “Louca para mim voltar/ela está/Deixa o carnaval passar...” Quer dizer, a estrutura harmônica, a melodia...
Carlos Elias – Acontece que esses caras não sabem fazer isso.
PV – Não, não, mas isso tem que ser denunciado. Nego fala de escola de samba hoje, assim: O sambista “autêntico” e tal. Essa palavra está desgastada. Não é sambista autêntico não. Substitui o termo “sambista autêntico” por um verso de Cartola. É simples, é muito simples, substitui o termo por um verso de Carlos Cachaça, por um verso do Mijinha, por um verso do Zinco, por um verso do Silas de Oliveira, do Osório, do Alvaiade, por um verso do Mano Décio, do Alberto Lonato. Substitui, meu Deus, substitui. Em vez de colocar sambista “autêntico”, põe um verso desses. Ta tudo aí por ser feito, sabe? Pega uma letra de estrutura mesmo e “taca” aí. Taca o samba do Cartola, quando ele foi convidado a voltar para a Mangueira, depois de muitos anos afastado, e ele não se sentiu à vontade porque a realidade era outra diferente. Então, o que ele fez? Ele fez uma coisa da maior dignidade que uma pessoa pode fazer. Ele respondeu com um samba. Agora, você vai ouvir o samba?
João Bosco Rabello – Sim.
PV – “Todo o tempo que eu viver/só me fascina você/Mangueira/Guerreira na juventude/fiz por você o que pude/Mangueira/Continuam nossas lutas/podam-se os galhos/colhem-se as frutas/outra vez se semeia/E no fim desse labor/surge outro compositor/Com o mesmo sangue nas veias”. Quando é que esses caras vão fazer um samba desses? Nunca, nunca!
C – E são pretensiosos, inclusive em dizer... Quando eu coloquei, afirmei que faltou a eles humildade, confirmo, realmente, faltou humildade.
Ruy Fabiano – Faltou tudo, humildade e talento, sobrou ignorância.
C – Faltou também conhecimento.
PV – Pó, ter a pretensão de dizer, de subestimar o passado da Portela, pelo amor de Deus!
C – Deturpando. Então, vieram falar pra mim que têm seis anos de Portela como justificativa! O que que há?
CE – Têm seis anos de ignorância.
C – Pó, eu recebi herança de pai pra filho. E que tivesse seis anos? Isso aqui é importante. Evaldo Gouveia deu uma entrevista há uns três anos em que ele declara, na época do samba do Pixinguinha, que nunca freqüentou escola de samba, que ele costuma ir pro sítio em época de carnaval no Rio de Janeiro, ta registrado, é só pegar a entrevista.
CE – Foi em 74, eu me lembro.
C – Isso é fundamental porque não é a minha palavra nem do Paulinho da Viola, é dele. Ele diz que nunca passou um carnaval no Rio de Janeiro, diz que veio do Norte e que entrou nesse “negócio” de escola de samba convidado pelo Jair Amorim.
PV – Agora, chamar a gente de racista, isso é a maior leviandade.
C – Isso é tática fascista, de intimidação.
PV – Claro.
C – Vou explicar por quê. A razão por que isso é tática fascista de intimidação. Eu já a disse a você, que o que está havendo no samba é problema de discriminação de aspectos sociais; poder econômico e, realmente, o crioulo o maior atingido. Qual é a maioria do operariado? Não é o negro que tem menor poder aquisitivo, não é ele que compõe a maioria dos que moram em favelas? Isso é uma realidade, um fato, uma constatação. Não existe nada disso de racismo nosso. Mas, quando a gente cita esse aspecto do que é o negro realmente que está sendo um tanto marginalizado dentro da escola de samba, aí eles acham que nós estamos invocando essa posição de racismo. Nem cabe mais isso hoje.
RF – O racismo é deles que querem impor lá dentro as mesmas discriminações existentes cá fora...
C – Exato, é isso mesmo. Sabe o que é isso? É tática, a velha tática de chamar o cara de comunista. Eu não engulo mais essa. Pode querer me rotular, me chamar disso e daquilo, mas já não estão me dizendo nada, inclusive, porque existem caras de pele branca dentro de escolas que fazem e sabem muito mais de samba do que muito crioulo por aí, portanto... Dentro da favela, lá no Acari, onde é o foco maior do Quilombo, lá nós temos elementos brancos que fazem parte de tudo, mas por quê? Porque estão integrados, sabem fazer a coisa. A mesma jogada, não existe isso.
PV – Claro, mas nego ta falando uma linguagem que é completamente diferente.
C – Isso é tática de intimidação, para rotular a gente.
PV – Eles usaram o termo racista, bem claramente.
PV – Sabe o que eu estou a fim de fazer? Pegar isso tudo depois, fazer um documentário, sozinho, assim: colocar toda a minha posição em relação a isso tudo e assinar embaixo. Eu acho que esse negócio não pode ficar assim sem resposta.
C – Quero ressaltar uma coisa aqui. Esse tipo de entrevista que você está citando aí, de nego nos chamar de racista, disso e daquilo, ta sendo apadrinhada, apoiada por dirigentes da escola. Quer saber quem? Maurício (de Mattos, presidente da revista Rio, Samba & Carnaval, presidente da ala dos Estudantes, criada em 1968 na Portela, e atual presidente da GRES Acadêmicos da Rocinha), Carlos Lemos (jornalista ex-integrante da Comissão de Carnaval da Portela e atual Coordenador do júri do Prêmio Estandarte de Ouro do jornal O Globo) e Mazinho (Osmar Nascimento, filho de Natal, ex-presidente do Conselho Fiscal da Portela, marido de Vilma Nascimento, fundador da GRES Tradição). São eles que têm feito uma espécie de ...
PV – Tudo bem...
C – Em resumo: o que significa a posição desses compositores em relação à Portela? Houve uma crise na escola com a escolha do samba-enredo sobre Pixinguinha, do Jair Amorim e Evaldo Gouveia, que culminou com a marginalização do Zé Kéti dentro da escola. Agora, o negócio está se voltando contra mim e o Paulinho. Aos poucos, me parece que há um processo quase sistemático de afastar as pessoas com uma certa posição de destaque dentro do samba, e sei lá, parece que para deixar o campo aberto, uma ala de tradicionalistas, de conservadores, o rótulo que eles quiserem dar, de “sambista autêntico”, sei lá, e poderem penetrar na escola livremente. Então, seria este o melhor sistema . Pôxa, afastaram o Zé Kéti, agora essa campanha, essa deturpação contra nós que realmente não tem sentido, fundamento, nós estamos chamando a atenção. Nós temos um documento que foi entregue na Portela, quando nós reclamamos e o Carlinhos Maracanã nos disse: quem tiver alguma coisa pra dizer que o faça por escrito. E nós fizemos um documento.
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No próximo bloco:
A entrada de David Correia na Portela; O concurso de sambas de terreiro e de partido-alto organizado por Candeia, Paulinho da Viola e Carlos Elias em 1972 e que se transformou em disco editado pela gravadora Odeon e relançado em 2004.
6a. parte
PV – O que está neste documento são coisas que realmente existem, entende? Eu, por exemplo, se for chamado por um cara desses, se um cara desses quiser discutir comigo o assunto, debater, eu, a qualquer momento, publicamente, abro o jogo. Quer dizer, se for uma polêmica, no nível que for, eu topo. O grande problema não é esse. Se não tiver uma polêmica, se nós não conseguirmos fazer... Escola de samba hoje é o seguinte: não existe um livro escrito sobre escola de samba que seja verdadeiro.
C – A propósito, eu estou resumindo aí um trabalho em livro...
PV – Certo, mas não existe um livro até hoje, que realmente tenha colocado, pelo menos, o samba, o problema do sambista, tudo enfim. Eu sempre ouvi dizer pelo Edson Carneiro que o melhor livro de escola de samba foi escrito em inglês. No Brasil, não existe nenhum. Esses todos que saíram aí são superficiais, sabe? Falando coisas que todo mundo já sabe, estatísticos...
C – Peraí um pouquinho, sem visão, sem conteúdo.
PV – Então, o que acontece é o seguinte. É tempo já de se pegar isso tudo e tentar fazer um material, uma coisa completa sobre o assunto, com peso e profundidade realmente. Porque, ô Candeia, essas coisas mesmo publicadas no Correio Braziliense, que dizer, lá em Brasília, elas não vão ficar largadas, porque tudo o que é publicado é uma coisa registrada, é um documento. A qualquer momento, você puxa esse documento e diz: Olha, ta aqui, ta registrado e tal. Essa matéria do CB não vai esgotar o assunto, ela vai abrir uma frente enorme. A coisa tem de ser colocada dentro do ponto de vista sociológico, histórico, etc.
C – Talvez o trabalho que eu estou fazendo com o Isnard, o nosso livro, não esteja no nível que você está falando, mas dentro da família portelense com depoimentos da Velha Guarda e etc. A pesquisa que nós fizemos neste livro que deve sair no final mês contém muita coisa que vocês vão gostar. Os problemas da descaracterização, do aspecto social e tudo, o que era o samba, com fatos, depoimentos, tudo.
CE – Está com você ou está na Portela este material?
C – Não, está com o Isnard, porque nós não temos condições de deixar isso lá. Este livro, eu e Paulinho íamos fazer juntos. Ele, por falta total de tempo, foi adiando durante anos e, aí eu acabei iniciando o troço. Mas o importante é que este trabalho vai preencher, em parte, esses senões que nós estávamos citando aí. Então, eu creio que será um pequeno degrau galgado dentro da enorme escadaria a ser explorada e vencida. Também eu não tive condições de escrever um livro com toda a profundidade das escolas de samba, porque o meu âmbito de informação é a Portela, eu me baseei na Portela, mas, mesmo assim, ele tem bastante conteúdo.
JB – Mas, talvez a Portela, seja um reflexo de toda essa crise que atravessam as escolas de samba.
C – Ah, sim. Eu creio que sim.
JB – Porque ela teve o mesmo começo das outras, atravessou as mesmas fases e no fim, agora, a grande crise e descaracterização do samba desabou dentro da Portela, em cima da Portela, entende?
PV – Mas eu acho que ainda existe uma certa estrutura de comunidade, sabe? Uma coisa assim... não sei. Na Mangueira tem a comunidade que é do morro de Mangueira. É aquela velha história: nós fomos jogar outro dia contra a Mangueira (a Portela tinha um time de futebol, composto por compositores e ritmistas) e empatamos de 1x1 e o Afonsinho (ex-jogador de futebol, famoso por, na década de 70, liderar o movimento pela profissionalização dos jogadores de futebol) queria entrar no time da Mangueira. É um negócio engraçado, o Afonso jogou já com a gente e tudo, ta sempre lá no time e eu cheguei pra ele e disse: o Afonso, nós estamos meio quebrados e tal, você não quer jogar com a gente? Ele disse: Não, eu não posso fazer isso porque sou mangueirense. Aí eu disse: Então nunca mais joga na Portela. Aí, ele foi arrumar uma vaga na Mangueira e aí o treinador falou assim: Olha, não leva a mal não, mas aqui só joga nego do morro. E ele ficou de fora (risadas).
Ruy Fabiano – Eu gostaria que o Elias contasse como foi a sua saída da Portela.
CE – Eu, Candeia e Paulinho estávamos fazendo um trabalho lá de moralização da ala (de compositores). A ala tinha muita gente e nem todos eram compositores. Então, tinha que ser consertado. Foi em 71 ou 72. Então, começamos a ver quem fazia samba de terreiro mesmo, samba-enredo, fizemos concursos internos para apurar isso.
C – E ainda vêm dizer que nós não participávamos. E o que é isso? Nós estávamos dando o máximo de nós.
CE – É, nós fizemos o concurso. Como concurso era exatamente para ver quem era realmente quem é dentro da ala. Então, nós só poderíamos admitir outras pessoas na ala depois que já tivéssemos visto, dentre os que já estavam na ala, quem poderia ficar, certo? Mas, o presidente da escola, por motivos que... (ri), não cabem aqui especificar, queria impingir um determinado compositor na ala, entendeu? Aí, queria que ele concorresse no certame que estávamos transando. O Carlinhos Maracanã queria que o David Corrêa concorresse, mas o David não era da escola, como poderia?
C – David era de um bloco lá da Pavuna.
CE – É. Aí, pra tentar contornar as coisas, o Candeia achou que poderia deixar o cara participar do concurso, inclusive, para testa-lo também como compositor. Mas, o samba dele foi eliminado logo de cara, né.
C – Mas não foi eliminado pela gente. Tinha uma comissão formada por pessoas competentes.
CE – E isso dele participar já foi uma concessão, uma consideração nossa.
C – Por sinal, o samba dele foi eliminado porque na época havia um samba novo do Vinícius de Moraes, aquele “Tonga da Mironga do Kabuletê” e que ele fez um samba que era a mesma coisa, mas sim a qualidade do Vinícius.
CE – Então, mesmo não ficando na ala, o cara participou de uma coisa interna da escola, para atender um pedido do presidente. Mas, não aprovou, o samba dele foi eliminado, foi provado que ele realmente não tinha condição. Mas, o Carlinhos Maracanã insistiu que ele tinha que participar, mesmo sem pertencer à ala, entendeu? Aí, a coisa foi até o dia em que me chateei. E o cara ia todo dia lá pro ensaio querendo cantar. Começou a ficar muito chato. O ensaio era em Botafogo (na Sede Náutica do Botafogo de Futebol e Regatas, conhecida como Mourisco), né. Candeia, vez por outra ia lá e ficava meio de longe assim, como uma espécie de guardião. Quando o Candeia não ia, o “chaveco” piorava, pois o cara ficava querendo cantar de qualquer maneira. Aí, um desses dias em que o Candeia não foi, o Mazinho, pra me atiçar, falou: Pô, vocês não querem deixar o rapaz cantar, pois o samba dele em Jacarepaguá pegou fogo. O certo é que um dia em que o Candeia não foi, o Carlinhos cismou que o cara ia cantar o samba dele no ensaio em Botafogo. Ora, sem pertencer à ala e com o samba dele eliminado. Se outros compositores que eram da ala e tiveram seus sambas eliminados não iam cantar, como é que um cara que não pertencia à ala da Portela, e que teve o seu samba eliminado, podia fazê-lo?
C – E esse negócio que o Paulinho citou aí. Nego chega e vai entrando na maior. O Joãozinho Trinta que está na Beija-Flor e ninguém sabe por quê... Bem, a gente sabe porque, mas chega de repente assim e assume uma posição de comando. Bem, a Beija-Flor é um caso à parte, há um interesse político, é bom nem falar muito...
PV – Sobre isso aí é bom depois a gente se reportar às últimas declarações de Carlinhos Maracanã, que disse assim: “Em 72, eu cheguei na Portela e acabei com a máfia da escola”.
CE – Vai ver quem era a máfia...
PV – Pois é, vai ver quem era...
RF – Era o sambista (risadas).
CE – Exato, éramos nós mesmos. Mas, então, não tinha cabimento você permitir que um elemento que não era da escola e cujo samba já havia sido eliminado, participar dos ensaios, cantando o dito samba. Aí, ele se aborreceu e disse lá o seguinte: “Pô, eu fiz um pedido, sou presidente da escola, certo ou errado, tem que fazer o que eu mando, entendeu?”
C – Mas, você passou por cima do porquê dessa atitude do Carlinhos, dessa imposição...
CE – Ah, eu já não me recordo...
C – Não, você sabe sim.
CE – Deixa pra lá. Mas, aí eu to ouvindo aquela gritaria, aquele bafafá no meio da quadra, o Natal lá e Paulinho depois me contou que Natal teve vontade de me dar uma bolacha (risadas). Eu tava atrapalhando a política deles. Natal era presidente de honra, mas foi o Carlinhos que deu a decisão: tem de contar, que ele era o presidente da escola e a gente tinha que fazer o que ele mandasse. Então, eu achei que não devia fazer e tirei minha camisa (nessa época a gente usava camisas iguais) pedi uma emprestada ao Waldir 59, fui embora e não voltei mais. No dia seguinte, o Mazinho me chamou pra conversar, aquele blá-blá-blá, né?
C – É, e vieram aqui em casa me chamar pra voltar, porque eu conivente com a tua posição, me solidarizei, né. Achei que devia, porque você era nosso auxiliar imediato e achei que quando fizeram isso com você fizeram comigo também. Aliás, foi a única tentativa da Portela em formar uma ala de compositores moralizados. Hoje tem lá uns cento e poucos compositores e, verdade seja dita, nem todos têm condições de estar numa escola de samba da tradição da Portela. Mas, isso faz parte do processo de eliminação de todos os valores de peso dentro da escola, afastar essas pessoas que “atrapalham”. Eu não entendo o porquê disso. Porque há uma preocupação muito grande em fazer show, em faturar. O Hiram até andou dizendo aí numa entrevista que o negócio é faturar, ele falou um monte de bobagens que até agora eu não entendi. O que tem o mundo árabe com isso, hein? (risadas). Eles disseram isso. Que que nós temos com essa pomba de mundo árabe?
JB – Como é que o Amaury Jório (um dos fundadores do GRES Imperatriz Leopoldinense, do qual foi presidente e ex-presidente da AESG/AESCRJ entre 1970 e 1978) e o Hiram Araújo entraram nesse negócio de samba, hein?
CE – Pela Imperatriz Leopoldinense.
JB – O Hirma é médico, né?
CE – É, e o Amaury é farmacêutico.
RF – São sócios na farmácia e tal...
CE – Eles não podem dizer que nós não fizemos nada. Não podem negar o valor do nosso trabalho pois nós fizemos um movimento tão grande e tão certo naquele curto espaço de tempo, organizando a ala, saiu até um disco pela Odeon (ao final deste bate-papo, encontram-se a capa original, o texto do encarte, a ficha técnica e a lista dos sambas e intérpretes participantes) e que atrasou por causa dessa confusão que eles criaram. Foi tudo bem planejado, começou em maio com a abertura das inscrições e em junho nós ouvimos as músicas e em julho foi executado o festival.
PV – Foi gravado na Odeon?
CE – Foi você quem produziu, já esqueceu?
PV – Não, não.
CE – O Trabalho foi todo feito dentro do prazo previsto. Não houve furo. O único furo que houve foi o retardamento do lançamento do disco, por causa dessa confusão que eles fizeram. Aí, nós ficamos afastados. Paulinho se aborreceu, não queria continuar, mas depois o Candeia insistiu e ele acabou fazendo o disco e, eles com inveja da gente, quiseram fazer o disco também e fizeram um outro (Refere-se ao LP Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, gravado pela Continental, também em 1972, com os seguintes samba e intérpretes: Ylu-Ayê (Silvinho do Pandeiro); O mais belo requinte (Avelino); Manchete (Tacira da Portela); A noite vestia azul (Catoni); Saudade (Tacira da Portela); Andorinha torta (Avelino); Decepção (Tacira da Portela); Minha ambição (Cabana); Nova forma de amar (Silvinho do Pandeiro); Choro (Adilson); Segundo rio que passou (Adelino); Só lágrimas (Silvinho do Pandeiro) e Mestre Cinco e os Cobras da Bateria da Portela) com os compositores perdedores, mas aqueles que gravaram conosco não fizeram nenhuma outra gravação (sic). E eles fizeram rapidamente um outro disco lá com David o mais não sei quem lá. Mas um disco mal feito, correndo.
C – Mal feito em tudo.
CE – E tem outro detalhe: no ano seguinte, eles tentaram fazer o mesmo torneio de samba que nós tínhamos feito, mas não deu pé.
C – Nunca mais realizaram outro trabalho igual àquele. Mataram, tiraram a possibilidade, nunca mais realizaram um trabalho de organização, aquele movimento foi de uma importância fundamental dentro da escola, sabe por quê? Porque ali nós já estávamos sentindo a necessidade de soerguer coisas que estavam se extinguindo. Então, nós fizemos aquele concurso, mas mantendo as diversas características, quer dizer, o samba de terreiro e o partido alto, exatamente para incentivar o pessoal a voltar a compor e cantar samba de terreiro e partido alto. Mas, o que fizeram esses inovadores? Mataram tudo isso, jogaram por terra. Não era nada fechado, havia um clima de acesso mas um acesso gradativo. Um coisa normal que todo mundo passava. O cara chegava numa escola de samba ficava numa espécie de estágio, fazendo samba para a escola, para ver se dava pé mesmo, e se era aprovado. Todo mundo da antiga conta isso. Eles conseguiram derrubar tudo isso. E são esses mesmos elementos que dizem que nós não participamos. Nós temos participado e continuamos participando, só que a nossa participação não é considerada ou então eles nos usam da maneira que nos usaram, que foi uma coisa acintosa. Nos chamaram para participar de uma comissão julgadora de samba-enredo, cuja música já estava com a carta marcada, quer dizer, já sabiam quem seria o vencedor. E nos chamaram pra poderem dizer mais tarde que o Candeia e o Paulinho da Viola participaram da comissão. E aí, nós levados por um espírito de cooperação, de participação, fomos. Fomos usados. Onde o tiro saiu pela culatra e eles não esperavam foi que nem eu nem Paulinho votamos no samba dos caras. E não foi nada combinado não. Foi uma questão de sensibilidade, foi de consciência, comunhão de pensamento. Porque, meu irmão, se nós tivéssemos votado naquele samba...
PV – Eu disse lá: olha, esse samba aqui não tem nada a ver, não pode, é ruim.
C – Não tem a menor característica de samba-enredo, é uma coisa forjada. Até então, o samba-enredo tinha uma característica própria, ele tinha uma melodia e uma harmonia diferente dos sambas de rádio.
PV – Olha, se for mexer nesse negócio vai ser uma pesada. Nós estamos nos referindo ao samba da Portela, agora se vocês forem ver, escutar os outros sambas das outras escolas, vão ver que é tudo uma coisa só. Aquela coisa enjoativa, repetitiva, chavão, cansativa, padronizada, mal gravada, com aquele negócio assim de “vamo lá minha gente”, forçando uma alegria que não existe, sabe como é?
C – E um: É, aquele negócio de “Que beleza”, né?
PV – Era preciso fazer uma análise disso, pegar e mostrar o que está se repetindo. Os sambas-enredo estão chatos, feios, repetitivos, sem nenhuma criatividade. Agora, é chato pra gente falar isso, porque nós somos compositores também. Daqui a pouco todo mundo se levanta contra a gente pra dizer: “Pô, esses caras são uns despeitados” (risadas). Agora, porque o exercício democrático dentro das escolas, como havia, quer dizer, o que é o exercício democrático? O tempo para os compositores trabalharem nos seus sambas, terem maior liberdade, não estarem tão comprometidos com esse tempo para gravar o disco, através da AESERJ que envolve negócio de dinheiro, senão não dá tempo. Eu já denunciei isso numa reunião aí e disse que isso tem que acabar.
C – Quando eu chamei a atenção para esses contratos assinados com a AESERJ, foi por causa disso. Que dizer, chegou o final de novembro o samba tem de estar pronto.
RF – E com isso fica prejudicada a qualidade do samba, nè?
C – Além de diversas outras implicações, mas a primeira é essa. Olha, uma coisa que foi dita e foi até o Paulinho quem disse, na reunião da Portela, foi que voltassem todos os sambas e se começasse tudo outra vez.
PV – Não. Eles acharam isso. Eles pegaram e disseram: “Olha, realmente, não tem nenhuma letra à altura.” Aí, o Hiram tomou a palavra e disse: “Olha, eu dei toda a liberdade, pra que eles (os compositores) dissessem aquilo que sentiam com relação ao enredo. Dessem a visão deles, queria que dessem a visão pessoal de cada um.” Foi isso que foi dito pelo Hiram. Aí, eu disse: “Não, nesse caso, já que a gente constatou que não tem nada à altura, só tem duas opções: ou você, Hiram, volta atrás e manda começar a feitura dos sambas outra vez, volta tudo outra vez, e não vai dar tempo, ou você assume isso. Diz, explica publicamente que a Portela resolveu dar toda a liberdade aos seus compositores do tema “Mulher à Brasileira” e o que saiu foi isso, um visão média do homem de escola de samba. Uma visão pessoal do sambista, com relação à mulher. Então, nós da Portela, assumimos isso”. Mas, existe um compromisso com a mentira, é uma coisa nojenta e incrível. Volto a dizer: a impressão que dá é a de que existe um complô armado para se apagar, mas apagar mesmo, assim: Não, o passado das escolas de samba é um negócio que não existe. Escola de samba é agora “essa coisa fantástica que existe agora”.
RF – Claro, claro.
C – Eu to ouvindo dizer que quem vai surpreender este ano vai ser a Beija-Flor. Está ensaiando quase em regime militar, cinco horas por dia, a portas fechadas. Não sei se por dedicação ou por amor, ou sei lá porque, existe lá uma disciplina muito rígida, num regime de respeito, do medo e do terror. Vai ver que é por dedicação, por comprometimento, coisas assim. Bem, segundo o Joãozinho Trinta, vem ensaiando um samba no pé...
RF – Mas, esse regime de terror que você diz o que é? Quer dizer, você vê isso como uma coisa positiva?
C – Não, não é isso. É positivo o lado da disciplina e, isso também é porque a Quilombo sacudiu a cuca de muita gente, lutando contra esse estado de coisas. Mas, regime de terror não é bom, não. A moral da história é que parece que a Beija-Flor vai surpreender no carnaval (o enredo para 1978 foi A criação do mundo segundo a tradição Nagô, com o qual a Beija-flor obteve o primeiro lugar e, por conseguinte, o Tetra-Campeonato). Mas, dizem que não é essa “surpresa” dos anos anteriores não. É samba no pé mesmo. Dizem. Então, dizem que o Joãozinho Trinta vai acabar com esse negócio de mulher seminua em cima de carro alegórico, outras subindo nos carros para dar beijinhos. Ele diz que vai dar o grande golpe e inclusive vai cobrar de você, Paulinho, e vai dizer: “Como é Paulinho? Como é Candeia?”
PV – É (irritado) mas não foi assim no ano passado. Ele veio com outras coisa que não considero escola de samba.
C – Não, mas este ano será, dizem, diferente. Agora, olha a minha conversa com o Hiram. Aliás, o foi no dia em que a Clara (Nunes) lançou o disco dela (As forças da natureza, com show de lançamento no Portelão, eternizado em placa de bronze ainda existente numa parede da quadra) e você estava lá, eu nem pude falar com você.
PV – Fui lá por causa da Clara e depois me mandei. Não fico mesmo. Fui lá por causa da Clara e só.
C – Eu também. Nem cheguei perto, fiquei na cozinha da Tia Vicentina (casa existente entre a Praça Manacéa e a área coberta: neste espaço eram realizados os pagodes com o famoso “feijão da Vicentina” e são realizadas as feiras de fantasias, às quartas-feiras), mas olha só. O Hiram foi lá bater papo. Ele não diz as coisas com fundamento. Conversamos mais ou menos uma hora. Ele não é tipo de pessoa que diz as coisas com fundamento. Ele me decepcionou porque eu percebi que o Hiram não fala as coisas por saber, com fundamento, ou defendendo pontos de vista dele. Ele apenas é um cara que transmite aquilo que outros...
PV – Porta-voz.
C – É. Porta-voz. Um papagaiozinho, certo? Não, diz as coisas por saber ou porque pensa assim. Eu até pensei que fosse haver um “tête-a-tête”, de alto nível, eu defendendo a minha posição e ele defendendo a dele, mas, não deu porque o cara é fraquinho, é um São Cristóvão. Então, o que aconteceu? Eu disse pra ele que a Portela é a única escola que tinha condições de fazer uma abertura, de não se prender ao chamado mercado, de atender ao consumo, porque a Portela tem um patrimônio e tem 19 carnavais ganhos, então a Portela pode abrir com tudo isso, pode dar uma pancada nisso que ta aí. Aí, ele falou: “Não, porque eu ainda não ganhei nenhum carnaval. Eu preciso ganhar um carnaval pra manter diálogo com você.” Eu disse: “Pó, mas a escola está divorciada, aquele velho papo, há quanto tempo vocês não travam um diálogo com o pessoal da escola? E ele disse: “Só tem diálogo se a Portela ganhar um carnaval.”
PV – Não ganha, não ganha.
C – Como, se está tudo “arrumado” pra isso?
PV – Mas, as minhas fontes são seguras. São aquelas fontes...
C – Mas eles estão convencidos que ganham, com o dinheiro.
PV – Mas não ganham. Enquanto essa diretoria não mudar, não ganha carnaval.
C – Pois eles acham que ganham.
PV – Deixa eles acharem. Não é dinheiro não, é outra coisa.
C – O que é, política?
PV– Não, Candeia, é lá no Fundamento, entende?
C – Certo, certo. Mas, eles estão convencidos... Deixa eles se convencerem.
PV – Guarda bem o que eu vou falar. Só não acontece na Portela por causa da tradição. Mas, esse ano descem quatro escolas e uma vai ser grande, esta ano. Este ano (de fato, “caíram” para o então Grupo Dois os GRES Arranco do Engenho de Dentro, Arrastão de Cascadura, Unidos de Vila Isabel e Império Serrano). Eu queria que acontecesse isso com a Portela, sabe por quê?, Saía essa moçada toda, que está aí, que só tá a fim de dinheiro e não iam querer investir milhões numa escola que está no segundo grupo. Seria a maneira de a Portela renascer.
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1972
- "Minha Querida Portela - Sambas de Terreiro”
Coro dos Compositores da Portela
Produtor Fonográfico: Indústrias Elétricas e Musicais Fábrica Odeon S.A.
Equipe de Produção artístico-fonográfica realizadora deste disco:
Diretor de Produção: Milton Miranda
Diretor Musical: Lindolfo Gaya
Assistente de Produção: Paulinho da Viola
Diretor Técnico: Z. J. Merky
Técnico de Gravação: Zilmar Araújo
Técnico de Laboratório: Renny R. Lippi
Lay-out: Joselito
"Este Disco foi feito pelos próprios compositores da Portela a fim de
oferecer aqueles que gostam de música popular brasileira e, especialmente,
aos admiradores desta sensacional escola de samba, todo trabalho organizado
pelo seu departamento musical sob a presidência do grande compositor
Candeia.
Os sambas aqui apresentados, classificados no 1 Concurso idealizado pelo
departamento, são os sambas de terreiro que a Portela apresenta para o
Carnaval de 1972. O torneio foi dividido em duas categorias: samba de
terreiro e partido alto. Os vencedores foram: Anezio e Wilson Bombeiro com o
samba "Voltei" e Joãozinho da Pecadora com o partido-alto "Conversa Fiada".
Achamos indispensável a inclusão no LP, deste magnífico samba-de-enredo,
Ilu-aye, de autoria de Cabana e Norival Reis, que representará,
oficialmente, a Portela no desfile de 72."
Voltei
Wilson Bombeiro e Anezio
Cantam: Wilson Bombeiro e Anezio
Paz
Ivancué
Canta: Ivancué
Conversa Fiada
Joãozinho da Pecadora
Canta: Joãozinho da Pecadora
Não Chora Meu Amor
Casquinha
Canta: Casquinha
Meu Dinheiro Não Dá
Candeia e Catoni
Cantam: Candeia e Catoni
Um Certo Dia para 21
Paulinho da Viola
Canta: Paulinho da Viola
Deixa de Zanga
Candeia
Canta: Candeia
Ilu aye (Terra da Vida)
Cabana e Norival Reis
Cantam: Cabana e Norival Reis
Não Pode Ser Verdade
Alberto Lonato
Canta: Alberto Lonato
Amor Sem Raiz
Carlos Elias
Canta: Carlos Elias
Em Festa de Rato Não Sobra Queijo
Velha
Canta: Velha
Meu regresso
Monarco
Canta: Monarco
O que eu Quero É Sambar
Garoto
Canta: Garoto