Divulgação
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Danielle e Fabrício em posição de Águia, durante a apresentação do novo casal, na última feijoada
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Para quem já é veterano de tantos eventos na quadra da Portela, a feijoada do último sábado oferecia atrações extraordinárias. Como se já não bastasse a homenagem a Clara Nunes, em lembrança dos 25 anos de seu falecimento, ainda ocorreria, naquela tarde, a apresentação do novo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Danielle Nascimento e Fabrício Pires. Danielle, exatamente, a Danielle, filha da maior porta-bandeira da história das escolas de samba e da Portela. Filha do Cisne da Passarela, Wilma Nascimento.
Ciente de que aquela seria uma tarde única, saí de casa mais cedo do que normalmente faço, todo primeiro sábado de cada mês. Cheguei às 15h30min. As feijoadas na Portela são uma ótima oportunidade não só de ver e ouvir a Velha Guarda da escola (qualquer reverência será pouca), como também de reencontrar os amigos que fiz nesses anos de samba e, especialmente, de amor à Portela. Normalmente, fico na área descoberta da quadra acompanhando e conversando com os amigos. Neste sábado, não queria e não poderia perder nada do que aconteceria. Cheguei, almocei e quase imediatamente fui buscar um bom lugar na área coberta.
De início, já percebi que os familiares e os amigos de Danielle e Fabrício estavam alojados no espaço que é destinado, durante os ensaios para o carnaval, à bateria da Portela. Primeiro, vi Fabrício. Em momento seguinte, vi Danielle. Confesso que me pus a procurar, como se tivesse receio de que ela não estivesse ali, a grande Wilma Nascimento. Olhava, olhava e nada de encontrar Wilma. Subitamente, quase desistindo, estava ela ali, parada na escada, elegante e altiva, como sempre. Senti um alívio inexplicável. A Wilma da Portela estava ali na Portela.
Mais ou menos às 17h, Danielle e Fabrício começam uma movimentação. Danielle – já com a bandeira da Portela em suas mãos – e Fabrício posavam para fotos. Daquele momento em diante, sempre que me voltava em direção aos dois, percebia que Danielle não largava a bandeira. Caminhava pra lá, caminhava pra cá e a bandeira ali com ela. Fotos e mais fotos; acenos para os portelenses que estavam ali na quadra. Ao permanecer durante quase todo o tempo com a bandeira, talvez Danielle estivesse, mesmo que inconscientemente, mandando o seu recado: “Essa bandeira agora é minha. Agora, estou no lugar que é meu por direito e por competência”.
A homenagem a Clara Nunes começara. Dorina e suas convidadas entoavam os clássicos da cantora, numa singela homenagem à Clara Sabiá, à Clara Morena de Angola. Não houve quem não cantasse com Dorina. Clara e sua música são exemplos fantásticos de que talento, carisma e qualidade dificilmente se perdem no tempo. Clara é jóia, daquelas raras; felizmente, jóia portelense. Enquanto isso... Danielle abraçada com sua bandeira.
É chegada a hora. Quase 19h, praticamente duas horas abraçada àquela bandeira, chegaria o momento principal daquela tarde. No mesmo palco, na quadra da Portela, estavam o Cisne e a sua filha. Danielle e Fabrício são anunciados porta-bandeira e mestre-sala da Portela. Danielle recebe a bandeira das mãos de Giovana, porta-bandeira da Mangueira, e de Selminha Sorriso, titular do posto na Beija-Flor. O anúncio e os aplausos já teriam sido suficientemente emocionantes. Entretanto, eu queria ouvir o que Wilma falaria. O microfone chega às mãos de Wilma. O Cisne destaca que o que acontecia ali era um grande desejo de seu falecido marido e também desejo de sua filha. Por alguns segundos, me perguntei: Como assim? E você, Wilma? Esse não era o seu desejo? Você, assim como tantos portelenses, não esperava por este momento? Você não vai dizer que esse também era o seu desejo?
A verdade é que, naquela tarde, Wilma não falaria sobre o seu desejo. Entretanto, a resposta para a minha questão viria segundos depois. Wilma finalmente mencionaria que estava emocionada. Mais do que isso, percebi que, como sinal de que compreende as coisas da Portela e como sinal de que ali é a sua casa, Wilma, antes de subir ao palco, havia trocado a camisa que usava. Naquele momento, ali naquele palco, Wilma elegantemente vestia uma camiseta com aquele azul-Portela, cuja tonalidade só os portelenses sabem diferenciar e usar.
Deste momento em diante, só felicidade e emoção. Danielle e Fabrício fariam a sua primeira apresentação, que foi vigorosa e brilhante. Imprensado entre alguns membros da bateria e os torcedores de sua escola, alguns com lágrimas nos olhos, o casal se mostraria absolutamente confortável – Fabrício, porque voltaria a dançar naquela escola que lhe dera a primeira oportunidade como primeiro mestre-sala de uma grande escola de samba; Danielle, provavelmente por saber que o seu destino já teria sido traçado antes mesmo de dar os seus primeiros passos como porta-bandeira.
Naquele sábado, dia 5 de abril de 2008, mais uma página da história das escolas de samba foi escrita. Naquele sábado, um capítulo da história da Portela se encerrava e outro, prenúncio de novas glórias, foi iniciado. Naquele sábado, uma parcela da história da Portela foi reconduzida ao seu lugar. Talvez, naquele momento, Wilma tenha se reconciliado com a sua escola e a Portela com ela. Talvez, naquele momento, Wilma tenha percebido que a instituição é muito maior do que quem a dirige. Impossível não pensar que o tempo poderia ter sido mais generoso e ter permitido que Paulo Benjamin de Oliveira, o professor Paulo da Portela, se reconciliasse com a escola que fundou e tanto amou. Impossível não pensar que o tempo também poderia ter sido mais generoso e ter permitido que Candeia voltasse para a sua escola de coração, assim como tantos outros portelenses, famosos ou anônimos, que também não tiveram essa oportunidade.
Dedico este texto aos portelenses, especialmente àqueles que, por quaisquer motivos, estejam afastados de nossa escola.
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Equipe Portela Web - 2008
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