03/05/07 14:42 Revista Veja
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O Cruzeiro
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O famoso soco de Natal no chefe da polícia, em 1960, que teria garantido mais um título para Osvaldo Cruz.
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"Concurso de escola de samba é tudo uma safadeza", disse Natal. No fim da tarde, quando o sol começa a descer sobre os telhados da Estrada do Portela, o toldo azul e branco em frente ao bar de Nozinho (irmão de Natal) perde sua principal utilidade. O sol vai lentamente avançando pela calçada e os fregueses, então, arrastam seus chinelos para dentro, carregando mesinhas, copos e garrafas.
É nesta hora que numa das mesas, quase sempre ali embaixo do ventilador, as cervejas são afastadas para o lado, abrindo espaço para a batida de um samba. As vozes pouco a pouco vão se alterando. É bem provável que alguém puxe uma violinha para dar mais harmonia ao samba. Um mulato de camiseta, listrada, azul e branca, começa a "falar" como se fosse um surdo na marcação.
- Tuum...tu...tuum...tu.
A noite se aproxima e o bar vai se tornando mais barulhento. A timidez da violinha é substituída pelo estridor da eletrola, dessas que acendem luzes e oferecem música a troco de uma ficha. Mas o ritmo não muda. Batida no tampo das mesas, "tirando no gogó" (cantando) ou na eletrola automática, no fundo há sempre um surdo falando.
Dizem nas rodas de sambistas que o surdo é um instrumento que realmente fala. E ninguém resiste ao seu apelo quando é bem tocado. Mas esse sem dúvida não é o caso daquele homem de óculos e chapéu de feltro marrom. Ele nunca deu um passo de samba, não sabe uma música de cor, nem mesmo as feitas em sua homenagem. Indiferente ao ritmo e à confusão de sons, ele continua jogando baralho. Aos que se aproximam e, numa espécie de reverência, inclinam-se e falam alguma coisa em seu ouvido, ele apenas balança a cabeça enquanto a mão esquerda - o braço direito ele perdeu num acidente - vai pondo em ordem as cartas colocadas à sua frente na mesa, apoiadas em dois maços de fósforos. Os curingas do lado direito, os três ases juntos.
"Olha o Maneta", disseram quando ele chegou num Galaxie 67 pintado de azul-anjinho com uma faixa branca sobre o capô. Mas não havia sombra de deboche nesse comentário. Quem iria debochar de Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela? Foi ele quem construiu a primeira sede da Escola de Samba Portela, na mesma calçada do bar do seu irmão Nozinho. Em Madureira, ou mesmo outros subúrbios cariocas, ele já sustentou orfanatos, foi provedor de irmandade de beneficência, distribuiu esmolas generosas. Dizem que saía de casa com dois bolos de notas de 1000 e só voltava com os elásticos. Foi Natal que decidiu que a pracinha em frente ao bar devia se chamar Paulo da Portela, figura lendária no samba e seu primo. Foi ele também que mandou plantar os flamboyants no centro da praça. Que asfaltou, pôs água e esgotos em 41 ruas de Madureira. E patrocinou as maiores festas já vistas pelos moradores da região. Como o aniversário de quinze anos de sua filha, no Clube Imperial, que ficou em mais de 15 milhões em 1967. Ou a inauguração de uma plataforma nova na estação de trem, construída com seu dinheiro e comemorada com doces e salgados encomendados na confeitaria mais tradicional do Rio de Janeiro, a Colombo. "Neste dia", lembra Natal, "eu mostrei quem mandava aqui". |
O poder O poder desse homem é à primeira vista tão inexplicável como o contraste entre seus automóveis - antes do Galaxie tinha um Cadillac - e o seu modo de vestir: chinelos, tamancos nos dias de chuva, calça velha com a bainha dobrada e muitas vezes um paletó de pijama em lugar da camisa.
Depois de várias reeleições para a presidência do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela, Natal foi homenageado com o título de Presidente de Honra, ou seja, "hors concours". Passou a ser assim uma espécie de sumo-sacerdote de uma instituição - a escola de samba - que alguns estudiosos da história do Rio de Janeiro consideram tão importante como movimento de arregimentação popular quanto os sindicatos na Europa e nos Estados Unidos.
O caminho até o trono de uma escola de samba, e mais do que isso, de todo um subúrbio com mais de 300 mil habitantes, não passou, porém, apenas pelo asfalto colorido da avenida nos dias de carnaval. Natal da Portela, famoso como sambista - em janeiro de 1972 foi eleito o sambista mais popular do Brasil, num concurso patrocinado por uma revista e uma rádio carioca -, foi também por muito tempo um dos "bicheiros" mais famosos da Guanabara. Diziam que o seu braço esquerdo abarcava todos os redutos da contravenção, que é como os bicheiros chamam sua atividade, desde o Méier até a longínqua estação de Deodoro. Evidentemente é um exagero. Mas a região de Madureira e Oswaldo Cruz, onde Natal se estabeleceu comercialmente, sempre foi considerada uma das mais ativas do Rio no campo da contravenção. E sem dúvida foi sob a inspiração de Natal que outras escolas de samba da Guanabara também procuraram na contravenção os líderes e o dinheiro de que necessitavam. Surgiram o Miro na Vila Isabel, Osmar Valença no Salgueiro, "Pirulito" no Império Serrano, "Turcão" no bairro do Caju, Castor de Andrade na Mocidade Independente de Padre Miguel, Anízio Abrahão David na Beija-Flor e Luiz Pacheco Drummond na Imperatriz Leopoldinense. Mas a opinião quase unâmine entre os entendidos de samba é que nenhum deles, na realidade, superou Natal da Portela. |
A ira Ô "Niterói", tira essa m... daí. Natal aponta com o queixo o carro parado na porta do bar do Nozinho. Ele está atrapalhando o trânsito, diz. Niterói, o motorista que democraticamente acompanha o patrão, jogando sua canastrinha na mesa ao lado, tenta explicar que o carro está metade sobre a calçada, não atrapalha ninguém. Em vários anos de convivência ele ainda não tinha aprendido que Natal não pode ser contrariado. O velho se levanta, o braço solitário dança doido no ar. Diz que o motorista é um "pé de chumbo" e outros qualificativos mais pesados. Só se acalma quando "Niterói", numa manobra perfeita, digna dos quatrocentos cruzeiros mensais que Natal lhe pagava, encosta o carro do outro lado da rua.
Essa explosão de ira nunca surpreendeu seus parceiros de jogo. Eles já estavam acostumados ao gênio e aos modos de Natal da Portela. Duas semanas antes do carnaval de 1972, foi ele que teve de enfrentar uma mulher armada de faca, e seguramente com uma razoável quantidade de álcool na cabeça, que pretendia entrar na Portela e foi impedida por um dos diretores. Nos arredores havia uns trinta sócios da escola, bem mais jovens do que Natal, mas ninguém parecia disposto a enfrentar a mulher. Chamado às pressas, o presidente de honra chegou trazendo sua arma e resolveu o problema com um tiro para cima, uma rasteira e uma gravata bem aplicada. Fazia dez anos que, como ele diz, "não entrava numa faca". O exercício inesperado o obrigou a uma ida ao Hospital Souza Aguiar no dia seguinte para ver como estava a pressão. Trouxe-lhe, porém, uma evidente satisfação: "É o que eu sempre digo. Não existem mais valentes por aqui". |
O pajé Os netos que pediam a benção pelo vão das portas, a mulher prestativa e silenciosa que aparecia para dizer que a comida está na mesa, as saídas de casa depois do almoço, sem se despedir, para voltar só no dia seguinte, de roupa trocada, os 250 afilhados que tinha em Madureira aproximaram definitivamente Natal do tipo acabado de "coronel" patriarcal e autoritário que mesmo sabendo que os tempos mudaram tinha seus rompantes e ainda tinha a preocupação de dar contínuas demonstrações de força e prestígio.
- "Eu fiz um deputado federal aqui em Madureira em 24 dias".
Ou então:
-"Eles queriam botar meu busto de corpo inteiro aí na praça. Mas eu não deixei, ia parecer matéria paga".
Em Madureira, nos anos 40, quando o que caracterizava o subúrbio eram as chácaras de hortaliças e a fama de seus valentes de nomes sugestivos - "Zé Cachorro" ou "Manuel Bam Bam Bam", a ascensão de um "Chefe", ou de um "Pajé", como Natal também é chamado, teria que ter fatalmente muita cor local. A de Natal por exemplo, implicou em 250 processos, mais de cem prisões, cinco passagens pela Ilha Grande, uma por Fernando de Noronha, um homicídio, uma soma incalculável de dinheiro distribuído aos amigos e principalmente aos inimigos, muita valentia e, de certa forma, o seu braço direito.
O braço ficou nos trilhos da Central, quando o ferroviário Natalino José do Nascimento, nascido em São Paulo, na cidade de Queluz, mas registrado no Rio, com quatro anos de idade, funcionário subalterno da estrada, saltou de um trem em Cascadura e não percebeu que vinha outro em sentido contrário. Natal passou nove meses na Santa Casa e além do braço perdeu o emprego. Andava por Madureira com um tabuleiro onde vendia peixe e angu. Até aquela época, em 1925, bebia de cair pelos barrancos. Foi então que lhe ofereceram um emprego de zelador de um ponto de bicho num lugar chamado Turiaçu.
- Aí - diz ele muito sério -, eu me regenerei.
Comprou uma cueca, um acessório que jamais havia usado antes, uma calça nova, nunca mais pôs bebida na boca e passou a aplicar sua indiscutível capacidade de liderança e algum talento para a diplomacia -"Eu faço muito barulho, mas no fundo sou um vaselina, um pacificador" - para subir na vida. Sempre que necessário, também, distribuía com prodigalidade tapas e bofetões, a ponto de tornar sua canhota famosa em toda a Zona Norte. Não há lembrança de alguém que tenha desafiado essa canhota - ou o 38 carga dupla que Natal chamava de "minha defecadeira" -, a não ser nos chamados conflitos generalizados. Houve, é verdade, o caso de Iéia Charuto, guarda-costas de Osmar Valença, do Salgueiro. Iéia deu um tapa em Natal diante da mais alta hierarquia do samba reunida na sede velha do Flamengo para a apuração da Escola de Samba vencedora do desfile de 1964. O tapa, segundo algumas testemunhas, arrancou o cigarro da boca de Natal. Ninguém sabe por quê, ele não reagiu. Há quem diga que foi o sexto sentido, pois, pouco tempo depois, numa prova de seu gênio forte, Iéia matou o próprio irmão. De qualquer forma, como Natal garante que o tapa não pegou, que ele é que resolveu deixar cair o cigarro, essa ficou sendo a versão oficial. |
O Olimpo Natal foi sem dúvida o maior bicheiro da história do Rio de Janeiro, mas, em 1968 ele sofreu um golpe violento que abalou sua organização até os alicerces. Dizem que em menos de um ano perdeu mais de 700 milhões de cruzeiros velhos. Quatrocentos empregados seus foram para a cadeia numa "blitz" policial como não se via desde 1958 no Rio de Janeiro, e Natal seguiu mais uma vez para Ilha Grande no porão de um rebocador, e em ilustre companhia. Com ele estavam outros nomes famosos do jogo do bicho, como por exemplo, Castor de Andrade, na época vice-presidente do clube de futebol Bangu. Comenta-se, entretanto, que apesar da eficiência policial - 2000 pontos de jogo de bicho da Guanabara foram fechados -, os verdadeiros reis da contravenção, em vez da Ilha Grande, foram mesmo é para Mar del Plata, Argentina, em confortáveis transatlânticos.
Como seus negócios obviamente dispensavam guarda-livros e documentos oficiais, era quase impossível, mesmo para a polícia, desenhar na época, um organograma da contravenção no Rio - e situar nele com exatidão o lugar de Natal da Portela. Do ponto de Turiaçu, impondo seu comando pela força ou em acordos de cavalheiros - pelo menos no noticiário policial ele foi responsabilizado indiretamente por dezenas de crimes ocorridos em Madureira -, Natal foi aos poucos ampliando sua fatia do enorme bolo do jogo do bicho que, mesmo colocado na ilegalidade desde 1946, dava emprego a pelo menos 10 mil pessoas (só na extração de sábado, calcula-se que 1 milhão de cruzeiros em apostas passavam pelas mãos dos senhores da contravenção). Mas é provável que Natal tenha sido colocado no alto do Olimpo do jogo do bicho - "quando alguém falava em acabar com o jogo no Rio eles vinham aqui, me prendiam e diziam que não havia mais jogo", conta Natal com um ar irônico - menos pelo que ganhou e mais pelo que ele representou no samba e na Portela.
O último sapato de Natal, duas cores, marrom e branco, nunca foi usado, nem mesmo na festa de quinze anos da filha, onde, numa suprema concessão à etiqueta, trocou o chinelo por um sapato de lona. Mas ele sempre fez questão de ostentar luxo nas fantasias de seus sambistas. Para Natal, os 2000 ou 3000 figurantes da Portela deviam sempre usar os panos mais finos, chapéu de três bicos, botas longas de caçador de esmeraldas e uma espada na cinta. Não era seguramente um traje adequado para duas horas de samba rasgado na avenida, mas aqueles bordados e plumas das fantasias de destaque satisfaziam a sua vaidade. E quando o componente da escola não podia pagar essas roupas, Natal pagava. Quando era precisa gritar ou brigar pela Portela, usar de prestígio, movimentar amigos influentes para dar mais um título à Portela, Natal gritava e brigava. Se o tradicional "livro de ouro", depois de percorrer as lojas de Madureira, voltava mais com desculpas do que dinheiro, Natal providenciava para que, numa segunda passada, todos contribuíssem com mais entusiasmo. Se fosse preciso ele mesmo descia para o centro de Madureira e, com meia dúzia de homens dispostos, literalmente fechava o comércio. Intimava os "gringos" e os "galegos", como ele chama os comerciantes de Madureira, a descer suas portas numa espécie de multa pela sua "falta de compreensão". |
Briga e prisões Natal contava as histórias desse tempo, muitas vezes carregadas de violência, com um surpreendente espírito esportivo. Certa vez, depois de comandar uma surra a dois soldados da antiga polícia especial, foi preso e recebido na delegacia com tanta gentileza que teve de passar quinze dias alimentando-se de suco em canudinho, pois não podia abrir a boca.
- "Tinha um tal de Moacir, um f... da p... que tinha um braço desse tamanho. Ele me batia, me levantava e perguntava: Você que é o valente? Eu já não podia falar. Só fazia hum-hum e balançava a cabeça e ele de novo pou e me levantava e perguntava: Você que é o valente?"
Em outra ocasião Natal foi colocado numa cela com um louco furioso armado de porrete. O louco saiu atrás dele. Natal corria em volta da cela e o louco atrás:
- "Corri umas quatro horas. Meu coração quase estourou. A sorte foi que ele era tão doido que só corria dando volta."
Há também um longo capítulo dedicado às brigas estritamente carnavalescas. Como no dia em que subiu a Serrinha, reduto do Império Serrano, com um caixão para celebrar o enterro da escola rival. Ou no ano em que, para provar sua tese de que o concurso de escola de samba é uma "safadeza", como ele dizia, não deixou que abrissem o envelope lacrado onde estavam as notas dadas a sua escola. Disse na cara do Secretário de Turismo que ele já sabia de véspera que a Portela ficaria em quarto lugar. E saiu no tapa indiscriminadamente. O envelope só foi aberto depois que Natal foi retirado do recinto com ferimentos generalizados. A Portela estava em quarto lugar. Mesmo quando falava de suas passagens pela Ilha Grande era capaz de deixar escapar uma frase como "eu até gostava da colônia".
O humor, o caráter quase de molecagem que ele dava a esses episódios, desaparecia, porém, quando falava do homem que matou. Como sempre acontecia quando ficava tenso, a mão esquerda de Natal começava a bater no ombro direito. Dava a impressão de que procurava o braço inexistente. Era capaz de falar no assunto vinte minutos seguidos, sério, o braço indo e voltando, indo e voltando.
Era um empregado de Natal, um tal de Davi, prestigiado por ele, a ponto de se transformar numa espécie de sócio. Mas sempre ofendia Natal pelas costas. "Me chamava de negro, dizia que tinha nojo de mim". Natal não podia brigar com Davi no tapa. Além de ter dois braços, era faixa preta de judô. Durante uma discussão em que as ofensas se tornaram fortes demais, Natal usou seu revólver. Mas atirou apenas quando Davi avançou para arrebatar-lhe a arma. Foram três tiros até ele ficar, como diz Natal, "anestesiado". E completa: "ele era um touro. Estava morrendo e ainda esticava o braço e passava a mão em mim". O crime aconteceu às 6 da tarde de um sábado, numa rua movimentada de Madureira, mas a polícia não encontrou ninguém disposto a testemunhar contra Natal. Ele passou quatro meses preso, até ser marcado o julgamento. Como seus advogados lhes garantissem que seria absolvido, recusou-se a comparecer ao tribunal. "Eu mataria o Davi cem vezes. Mas quatro meses na cadeia era pouco pela vida de um homem". Só consentiu ir a júri cinco meses mais tarde. Foi absolvido por sete a zero. |
O futebol Exceto pelo episódio da morte de Davi, que perceptivelmente provocava nele uma espécie de angústia, Natal da Portela, em que pese algumas cicatrizes no corpo, dava a impressão de ter a consciência sem culpas ou ressentimentos. "Mesmo meus inimigos são meus amigos", costumava dizer. Só parecia ficar realmente magoado quando falava de sua inevitável incursão pelo futebol. Ele era rico, poderoso, gostava de jogar bola - "até os 45 anos botava uma goma de zagueiro" - e torcia pelo Fluminense. O Madureira Futebol Clube, tricolor como o Fluminense, esteve diante do presidente ideal. Com o Madureira, Natal percorreu 56 países. Chegou à China, numa excursão quase tão épica como as viagens de Marco Pólo. Sem notícias dos intrépidos futebolistas de Natal, os jornais da época chegaram a afirmar que o Madureira havia se extraviado em alguma província chinesa e desaparecido para sempre.
A lembrança mais forte que esse curioso exemplar do capitalismo latino-americano trouxe do oriente misterioso foi entretanto a de um café com leite tomado em Macau depois de duas semanas de tentativas infrutíferas de comer algo decente.
Em algum lugar perto da Itália - Natal evidentemente não era muito forte em Geografia - a delegação do Madureira foi homenageada por um príncipe - seria o Rainier de Mônaco? - com uma festa magnífica. Quando lembrava dessa homenagem dava risada: "Se ele soubesse quem eu era mandavam eu e o Madureira é pra Calábria".
Presenteou o Madureira com uma piscina olímpica e um ginásio. Quando deixou a presidência, a diretoria do Madureira levou até sua casa 48 000 cruzeiros em promissórias que o clube devia a Natal e ele deixara na sede. Ele disse apenas: "Rasga essa m...".
- No dia seguinte Natal comprou o jornal e viu a manchete: "Novo Madureira - Botemos os ladrões para fora". Passava na porta do Madureira porque era rua. Mas não olhava para dentro.
Quanto a príncipes, Natal já apertou as mãos do "Phillips", da Duquesa de Kent, que ele chama de "rainha", da rainha propriamente dita e de um que ele não sabe o nome (era o Rei de Luxemburgo), quando esteve visitando a Portela. Quanto a viagens, esteve ainda na Argentina e Bolívia. Foi de carro com "Niterói" no volante. E comete uma "gaffe" zoológica surpreendente para quem lidou tanto tempo com os bichos: "Na Bolívia eu quis atravessar uma serra que tem lá, uma tal de Serra dos Andes. Mas me disseram que na serra tinha leão, elefantes, e eu desisti". |
Edifício-residência Na casa de Natal, porém, seus bichos mais familiares foram homenageados com uma espécie de mural que dominava todo o andar térreo - um jardim de inverno com uma profusão enorme de folhagens - onde o "Pajé" costumava sentar-se numa cadeira de vime para conversar sobre negócios. O mural, num estilo que poderia ser definido como realista-infantil, foi obra de um ex-carnavalesco da Portela. Foi muito criticado por alguns amigos de Natal, não tanto do ponto de vista estético, mas político. Natal, porém, foi irredutível.
-"Se eu fosse dentista, botava aí umas dentaduras. Eu botei os bichos, do avestruz à vaca".
Como na sua própria vida, os bichos são apenas um detalhe na casa de Natal. No pequeno edifício que ele mesmo projetou, diz que gastou "uns 300 milhões". Um inventário do que acumulou naqueles quatro andares mostraria por exemplo um retrato oficial de Getúlio Vargas colocado quase ao lado do painel dos bichos (havia uma foto de João Goulart junto com o próprio Natal, mas foi retirada: "se eu fico mostrando vão dizer que sou subversivo"). Gravuras japonesas, vasos de murano, um piano, um pássaro de penas brancas, possivelmente empalhado e aplicado com alto-relevo num quadro, um sarraceno de olhar maroto seqüestrando uma odalisca num tapete colocado numa das paredes, outro tapete com o Príncipe Encantado e A Bela Adormecida - ou será uma cena de Otelo? - povoavam a sala de estar do segundo andar. Uma trepadeira pintada subia pelas escadas, acompanhando o corrimão. Um pinocchio desenhado num corredor. Uma paisagem emoldurada, pendurada de cabeça para baixo, noutro. Um banheiro onde cada objeto era femininamente revestido de plástico cor-de-rosa. Outro fechado há anos porque apresentou um vazamento e Natal não confiava em gente que conserta coisas. A geladeira, colocada ao lado do bar no hall dos bichos, por exemplo, não funcionava há muito tempo. "Veio o homem aí, levou o estômago dela e nunca mais voltou", dizia Natal. Duas das três televisões da casa também estavam sem "estômago". Nesse inventário, devia-se ainda ressaltar a piscina abandonada do último andar, onde foram gastos 17 toneladas de ferro na construção. |
A herança Qual seria a herança deixada por Natal da Portela? As investigações para apurar enriquecimento ilícito dos bicheiros cariocas, enquadrados no ato 5 no final de 1968, mostraram que sua lendária fortuna - seria dono de centenas de lojas, de um cinema, de uma empresa funerária e de vultosos depósitos em bancos suíços - não passava de dívidas nos bancos lá mesmo de Madureira. "Tudo que ganhei distribuí por aí".
De qualquer forma, para seus filhos - o mais velho era técnico em hematologia e dono do banco de sangue de Madureira, dois eram universitários e a mais velha era casada com um oficial da Aeronáutica e mora em Brasília - seria inviável seguir qualquer atividade do pai.
Osmarzinho, o hematologista, chegou a ser vice-presidente da Portela, mas nem ele nem ninguém em Madureira tinha autoridade para esbravejar durante as reuniões da diretoria da escola como sempre fez Natal. Ali mesmo, da calçada do bar de Nozinho, a 200 metros de distância, quando o vento sopra dos lados de Oswaldo Cruz, era possível ouvir seus berros.
No início dos anos 70, a Portela passou a ter uma vida econômica independente graças aos ingressos cobrados nos ensaios pré-carnavalescos - cerca de 30 milhões de arrecadação por semana -, e diziam que do velho Natal teria apenas a águia de sua bandeira. O que, evidentemente, também era um exagero. Como dizia "Mano" Décio da Viola, compositor do Império Serrano mas grande amigo de Natal, "enquanto ele viver, a Portela precisa de Natal".
- E depois?
- "Depois, será o maior enterro já visto em Madureira".
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